Imagine uma cidadezinha onde o esquecimento é recebido com humanidade, onde as pessoas que sofrem com esta doença que apaga memórias não sofrem com o isolamento ou pela indiferença. Muito pelo contrário, um lugar onde o tempo é tratado com carinho e a perda de memória com suavidade.
Este local existe. É a “Vila Landais Alzheimer”, inaugurada em 2020 perto da cidade termal de Dax, no sudoeste da França. Uma ideia sensível, que se traduz em um espaço projetado para oferecer não apenas cuidados, mas dignidade, acolhimento e respeito para as pessoas com Alzheimer.
Dividida em quatro bairros, cada um deles com quatro casas, a vila conta ainda com lojas, cafés, supermercados, cabeleireiro, auditório e até uma biblioteca, tudo isto para criar um ambiente que resgate o cotidiano, fazendo com que os moradores se sintam parte de uma comunidade. Em todos estes espaços é permitida a entrada de pessoas que não vivem na vila. Essa convivência entre os pacientes e a comunidade em geral também ajuda a afastar a ideia de que estão aprisionados, fazendo com que experimentem a sensação de uma vida normal, com uma rotina que respeita seus limites e os incentiva a participar.
Nas casas, não há horários rígidos. Cada um dorme e acorda a seu tempo. É como se estivessem nos seus próprios lares, e os familiares podem entrar e sair sem hora marcada. As “mordomas” são as pessoas que auxiliam em todos os momentos cada um dos moradores, dependendo do grau de necessidade. Estas profissionais não usam uniformes e não são apenas médicos e enfermeiros, são facilitadores da experiência de viver. O cuidado não está apenas nas terapias ou nos medicamentos, mas no respeito à humanidade do outro.
É uma espécie de residência, mas também um centro de pesquisas. Dentro da vila, existe um núcleo que reúne especialistas franceses em doença de Alzheimer e que treina profissionais de saúde e gestão social para disseminar as melhores práticas terapêuticas para estes pacientes. A ideia ali não é curar, mesmo porque ainda não existe uma cura, mas transformar a maneira como se vive com Alzheimer, oferecendo apoio e respeito para que, apesar da progressão da doença, o bem-estar e a qualidade de vida sejam preservados.
Além da equipe de especialistas, os voluntários também são peças fundamentais e são eles que participam ativamente na inovação terapêutica do projeto, oferecendo classes de artes, leitura, dança ou apenas parte do seu tempo.
A vila da França tem como referência o Dementia Village, outro projeto semelhante criado na Holanda em 2009, e que foi pioneiro no tratamento destes pacientes. Os autores do Relatório Mundial de Alzheimer afirmaram que o projeto representava uma mudança de paradigma ao oferecer aos residentes e suas famílias cuidados humanizados. E assim foi. Assim como a da França, já há outras Vilas em outros países, mas os números ainda são bastante pequenos. Em todas elas, os pacientes pagam uma contribuição mensal, mas grande parte dos custos de manutenção do projeto são de responsabilidade governamental.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, em 2030 o Alzheimer poderá afetar cerca de 78 milhões de pessoas em todo o mundo e, embora seja a sétima maior causa de morte, o valor destinado à pesquisa global sobre demência é de menos de 1,5% do investimento na área de saúde.
Acredito que todos nós temos de alguma forma interesse pelo assunto. Há cerca de vinte anos, meu pai foi diagnosticado com a doença. Foi um choque para todos nós. Não sabíamos ao certo como lidar com o assunto e ir perdendo a pessoa ainda com vida trouxe um sofrimento enorme, além de uma sensação horrível de impotência. Lembro que na época chegamos a visitar algumas clínicas, porém as condições estavam sempre muito aquém daquilo que achávamos que fosse razoável. Ele ficou em casa até falecer.
Conviver com um doente de Alzheimer pode ser devastador. Recomendo, caso ainda não tenha visto, assistir ao filme “O Pai” com Anthony Hopkins. É um filme muito triste que mostra um retrato sobre o quanto é difícil quando alguém volta a ser dependente. É um daqueles filmes que nos fazem refletir sobre a nossa própria vida e sobre nossos familiares.
Este modelo de “Vilas do Alzheimer”, como a da França e da Holanda, contrariam a visão tradicional de institucionalização e de tratamentos agressivos. São faróis de esperança que podem, quem sabe, inspirar outros governos a repensarem o cuidado com aqueles que, apesar de não poderem mais se lembrar, merecem viver com dignidade, respeito e, principalmente, amor.
Referências:
Vila Landais Alzheimer
Dementia Village
Todos os textos de Pat Storni estão AQUI.
Foto da Capa: Reprodução Vila Landais Alzheimer