A tragédia no litoral norte de São Paulo, em sua dimensão político cultural, revela um caráter sintomático de repetição, ou seja, é um desses desastres que não é apenas mais um resultado da obra da natureza. Vejam o que mostra a reportagem do ESTADÃO (só para assinantes), de um evento similar já em 1967.
Então, o que parece ser apenas uma contingência, tem se convertido como um modo de funcionamento do nosso sistema social.
Esse caráter de repetição nos conduz ao que Freud descreveu, em 1930, em sua análise sobre os destinos da cultura, denominando de “mal-estar”. O mal-estar é aquilo que sentimos acerca de que “algo não vai bem” e, portanto, é prudente que, não somente se reflita sobre isso, mas que também se possa agir, sustentados por essa reflexão.
Nos “desastres” que temos visto a sequência é a mesma, além da destruição da paisagem: ausência sistemática do governo, mortes de pessoas vulneráveis e excluídas do bem-estar social, uma grande comoção pública, organizações de apoio de diversas ordens, …mas… e depois? O que é possível fazer com isso?
É tão certo (apoio-me em fatos científicos para afirmar isso) que estamos ultrapassando o limiar de promoção da nossa autodestruição, seja de forma direta, como as atuais ameaças de uma guerra nuclear, seja pela alteração das condições necessárias a nossa sobrevivência (vale lembrar aqui da #seca que assola o Rio Grande do Sul, em que a falta de água já atinge o consumo humano).
Jean Pierre Dupuy, engenheiro e filósofo francês, em 2011 escreveu que o atual momento é o “Tempo das catástrofes: quando o impossível é uma certeza”, ou seja, aquilo que se pensava que era impossível de acontecer já aconteceu e, mesmo assim, estamos deixando a continuar a acontecer.
O que há por detrás de todas as histórias e eventos repetitivos?
O cenário me parece bastante claro: tragédias naturais e humanas, escassez, exclusão, acidentes, desamparo, resíduos, destruição ímpar atuando de maneira sinérgica, delimitando a nossa grande crise socioambiental.
Mas há outros elementos ainda, como a questão das consequências do sofrimento psíquico destes que estão submetidos ao racismo ambiental.
Há, portanto, uma narrativa inconsciente por de trás de todos esses acontecimentos, que, tal como um livro, necessita ser lida, em voz alta!
*Ana Lizete Farias é Psicanalista, Geóloga- UFRGS; MSc. em Geologia Ambiental – UFPR; Dra. em Meio Ambiente e Desenvolvimento – UFPR.