Vivemos em uma época em que cada vez mais marcas querem parecer humanas e pessoas querem se tornar tão fortes quanto marcas. Isso não deixa de trazer uma certa contradição. Empresas e corporações nunca terão a imagem espontânea de pessoas de verdade. E pessoas, mesmo famosas e conhecidas, podem cair em armadilhas quando se preocupam demais com marketing, público-alvo e poder de vendas.
Quando foram criadas, muitas marcas nasceram da iniciativa individual de empreendedores que construíram negócios como Ford, Hewlett-Packard (HP), Ferrari, Johnson, Granado (Brasil) e outras pessoas. Depois do auge da era industrial, as fábricas passaram a entrar em um processo mecanizado, produção em série, grandes unidades e produção em massa. As marcas modernas substituíram as antigas relações diretas entre o artesão e o consumidor, da loja ou do armazém da esquina.
Para conquistar e fidelizar essa massa de consumidores vieram os recursos de marketing, design e publicidade. Os anos 50 mostram bem isso, a euforia pós-guerra, a evolução da tecnologia em novos produtos, enormes lojas de departamento e os modernos shopping centers, que pareciam anunciar um maravilhoso mundo mágico de consumo.
Essa guerra pela atenção do consumidor acabou forçando as marcas a investir ainda mais na comunicação, tentando humanizar mais seus produtos e serviços, vendendo o conceito de que elas eram parte de nossas vidas e sonhos.
Nos últimos 25 anos, a internet se tornou a principal forma de comunicação e acelerou este processo de diversificação e disputa de mercados. Modelos de negócio sólidos foram para o espaço. O mundo digital mostrou-se diferente, dinâmico, inusitado e as redes sociais tomaram o poder e a atenção das pessoas.
Num mundo de bilhões de pessoas conectadas os consumidores descobriram seu poder e atualmente exigem uma maior personalização de seus desejos de consumo. As grandes empresas passam a correr atrás e tentam dialogar cada vez mais com eles, buscando acumular cada vez mais informações pessoais para atender aos diversos segmentos.
Por isso somos super rastreados em nossos hábitos e consumos, o que torna um risco nossa liberdade individual e poder de decisão. Vivemos a maior parte do tempo conectados e ao mesmo tempo cercados por mensagens, banners e pop ups que nos perseguem o tempo todo, a um clique de distância.
A única vantagem deste novo mundo digital é que os pequenos e independentes nunca tiveram tanta força, em termos de acesso a informação, possibilidade de expressão culturais e distribuição de cultura, mídias e notícias. Temos voz, abrimos canais e conexões com muito mais facilidade, podemos de repente nos tornar virais e atingir todo o universo em questão de minutos ou horas.
O valor da opinião pessoal nas redes agora tem um potencial infinito, para o bem e para o mal. Isto influencia a nova economia e até a política, que teve que mudar seus processos. Algumas pessoas já conquistaram um poder de mídia e repercussão maior do que muitas empresas e instituições.
Com a velocidade da internet nesta era digital, o falso e verdadeiro se misturam com muita facilidade. Mas com algum esforço e critério ainda é possível checar fontes e averiguar e confirmar a veracidade ou não dos fatos.
Empresas e pessoas com más intenções e práticas desonestas podem ser pegas e desmascaradas com mais facilidade. Uma atitude errada, exposição em excesso ou uma ação politicamente incorreta, podem queimar e trazer uma repercussão negativa.
Em tempos líquidos nunca foi tão fácil e rápido ver tudo se desfazer em um instante, tanto para empresas quanto pessoas.
Por isso é difícil nestes tempos fazer uma marca parecer sincera e espontânea. Na era da conversão e dos resultados instantâneos, isso pode até se tornar impossível.
Pessoas e marcas, para sobreviver, precisam achar o ponto de equilíbrio. O melhor ainda é acreditar e investir no trabalho real, de longo prazo. É preciso ser sincero e transparente na autenticidade e construção de uma marca ou identidade.
Na era digital, o verdadeiro valor é difícil de digitalizar.
Roberto Tostes é escritor e publicitário, trabalha com comunicação e projetos editoriais. Publicou o livro infanto-juvenil pela Editora Vozes – Átrás do Bicho-bola – (1990), criou e ilustrou o livro digital para crianças chamado “Dô Minhoca” (2000). Publicou também um ebook com uma coletânea de artigos postados na Internet – Escrever e Blogar. (2018) o livro “Vida Passageira” (2022), em que textos e desenhos se misturam em numa viagem urbana pelo Rio de Janeiro.