A coleção de livros da Biblioteca Madrinha Lua traz uma série de poetas mulheres contemporâneas. É inspirada, como diz o selo da capa interna, na poeta Henriqueta Lisboa. Na língua portuguesa, o gênero gramatical é dado pelo artigo. Como se sabe se lápis é masculino ou feminino? Bota o artigo na frente, o lápis. A palavra poeta vinha sendo utilizada como do gênero masculino. Para o feminino, usava-se poetiza. O poeta, a poetiza. Contemporaneamente, muitas mulheres vêm preferindo usar a poeta em vez de a poetiza.
Tende-se a pensar palavras terminadas em o como sendo do gênero masculino e, em a, como do feminino. Mas temos a mão, o estafeta, entre outros vários exemplos. Por isso, o que diz o gênero gramatical é o artigo. Isso na estrutura da língua, mas o fenômeno linguístico não se reduz a essa parte estrutural. O uso ideológico da linguagem levou por muito tempo a colocar o masculino como o universal. Por exemplo, todos. Dizia-se todos e bastava para incluir homens e mulheres. De uns tempos pra cá, já se começou a dizer, boa noite a todos e todas. Depois, a inversão passou a aparecer com mais frequência, a todas e todos. E, agora, a todas, todos e todes, criando um neologismo para tentar fazer com que o gênero gramatical dê conta das identidades de gênero entre as pessoas.
Note-se que o questionamento vem nos casos em que a palavra aparentemente masculina, terminada em o, é usada ideologicamente como a universal. Pessoas, terminada em a, não motivou dizer pessoas, pessoos e pessoes. Ou seja, é uma guerrilha linguística contra o patriarcado. Digo tudo isso até aqui pra falar que a coleção Madrinha Lua traz poetas mulheres. É um recorte que marca uma posição. O mercado editorial e a historiografia literária apagaram diversas mulheres escritoras. O machismo da sociedade patriarcal estende seus tentáculos para todas as áreas. Até para a poesia. Os poetas brasileiros? Não. Essa é a coleção das poetas brasileiras.
A curadoria já começa por uma mulher poeta, doutora em literatura e com uma bagagem de interessantes estudos e projetos na área editorial, Ana Elisa Ribeiro. Fui ao lançamento de um dos volumes, “Self-Purpurina”, da porto-alegrense Fernanda Bastos. Seus poemas curtos e tocantes nos levam por suas memórias afetivas de uma família ligada ao carnaval. Um poema da série “a voz do meu avô”: “No tempo em que nasci/Se aprendia mais da África/Na quadra/Do que no curso normal/que eu concluí”.
Saí da livraria com outros dois livros da Madrinha Lua. Um é o da poeta Líria Porto, que transita também seus poemas com frequência e sucesso pelo Facebook. Mineira, de Araguari, seu título é “Quem tem pena de passarinho é passarinho”. Um dela: “meço o que faço com a fita do horizonte/e tudo fica tão pequeno que os erros/não me massacram”.
O outro foi da Adriane Garcia, também mineira, de Belo Horizonte. Com um texto cheio de surpresas, ela desenvolve um instigante trabalho estético na poesia brasileira atual. Seu livro é “Estive no fim do mundo e lembrei de você”. Um dela: “Somente os animais mais resistentes/Sobrevivem às maiores profundidades// Não é fácil ser profunda/Deve admitir que não vê direito//Depois tem que enxergar de outras formas/Desenvolver tentáculos, por exemplo//Uma antena, para viver de profundidades/Há de se conectar com a intuição//E de tanto viver no fundo, sua cor ficará metálica/Sua pele se tornará translúcida//É possível que não a vejam/Ou que a vejam como uma alienígena//Porque você será esquisita, lenta/Dedicada ao fascínio de explorar funduras//Tudo será escasso/Menos a profundidade//Sem uma gota de luz//Vai acabar inventando luz própria. “
A editora da coleção é a Peirópolis. Já saíram até agora oito livros.