“Ih, mãe, tu vai virar aquelas mães megatatuadas?”, perguntou minha filha pré-adolescente quando comentei que faria minha terceira tatuagem. A primeira, fiz aos 44 anos no antebraço esquerdo: o nome dela escrito com a minha letra junto a um raminho de flor de bergamoteira, minha preferida. Cinco anos depois, consertando a forma da primeira (de que não cuidei como deveria e virou uma espécie de borrão que não tive coragem de apagar pelo significado que carregava) e acrescentando uma borboletinha ao lado, me dei conta de que podia ser uma boa ideia fazer, no braço direito, um lembrete de outras coisas que me fazem feliz.
Foi assim que saí nesta quarta à tarde da mesa da tatuadora com um desenho muito maior do que eu havia imaginado inicialmente (foto acima).
“Tá legal, mas meio grande, não?”, comentou minha irmã.
“Sim, muito!”, respondi, entre eufórica e intrigada, porque ainda não tinha tido tempo para desvendar o sentimento que a novidade concluída minutos antes havia despertado em mim.
“Não era essa a ideia?”
Foi a pergunta que me pegou em cheio. Porque não, a proposta era uma tatuagem bem discretinha, pequenininha, delicadinha, fininha. Para quem me conhece, admitamos: algo totalmente incongruente com a mulher de 1,70 m, ossos largos, quase 90 quilos que sou. (Em tempo: já eliminei cinco dos que me propus a emagrecer alguns meses atrás.) Além disso, a nova tattoo retrata o que me aquece o coração: cozinhar, tricotar, crochetar, ler, pesquisar, escrever, e tanta coisa assim não cabia em algo “inho”.
Às vésperas do meio século de existência, sei que consigo carregar essas marcas tranquilamente por pelo menos mais quatro décadas (considerando que espero chegar perto ou passar dos cem). O tempo do “para sempre” está mais curto e, ao mesmo tempo, a bagagem acumulada até aqui ajuda a enfrentar eventuais (e inevitáveis) arrependimentos e frustrações.
Num grupo de que participo no Facebook, perguntaram outro dia “quantas tatuagens você tem?” Não soube bem o que responder, porque sei que já eram muitas mais do que as duas feitas com tinta até então do pulso esquerdo. Tenho tatuagens metafóricas por toda parte: no rosto, no corpo, no olhar, no sorriso – ou na falta dele. Mesmo que não escolhamos as marcas que queremos deixar, elas se deixam fixar na pele à nossa revelia. A cicatriz do tombo da infância, as estrias da gravidez, o machucado na canela causado pelo tropeço dentro da loja de móveis de luxo no Rio de Janeiro (que na ocasião feriu também um bom pedaço da dignidade), a ruga de espanto na testa e as duas marcas de preocupação entre as sobrancelhas.
Não era essa a ideia?
A bem da verdade, a ideia nunca foi ficar cheia de marcas. Porque por algum motivo nos fizeram acreditar que o bom é passarmos pela vida incólumes, a salvo do que pode “nos estragar”. A ideia é envelhecer “sem idade”, um conceito que, não cansarei de insistir, me escapa a compreensão. Mas olhando agora para o mais recente desenho que imprimo de propósito em mim mesma, percebo que são as marcas que nos impulsionam para a frente, que nos fazem seguir, inclusive na expectativa de que outros símbolos ainda estamparemos nesta existência. Se elas retratarem coisas boas, melhor.
Essa é a ideia!