Recentemente passei uma semana de férias com minha companheira na Serra Gaúcha. Como a ideia era desligar um pouco do mundo, ficamos hospedados em São Francisco de Paula, onde encontramos uma casa isolada, razoavelmente distante do centro da cidade. Não resistimos, entretanto, a fazer um passeio por Canela e Gramado, onde acabamos nos deparando com uma situação que me fez pensar no tema para a escrita deste texto.
Estávamos em uma loja de sapatos e, quando já nos encontrávamos no caixa, vimos um cartaz grande que anunciava desconto de 5% nas compras daqueles clientes que publicassem uma selfie marcando a conta de Instagram da loja.
Ainda um tanto atordoados por esta proposta indecente, acabamos indo a uma loja de chocolates para tomar um café. Qual não foi nossa surpresa quando vimos que este estabelecimento também oferecia o tal desconto por uma selfie.
Fiquei pensando no quanto, hoje em dia, a imagem de si parece ter virado uma estranha moeda de troca. A estratégia aqui, claro, é uma espécie de marketing afetivo: se um conhecido vir que publiquei uma foto em uma loja ou café, talvez ele se interesse por aquele produto baseado na sua confiança no meu gosto – por sapatos ou por chocolates, neste caso.
Ainda que eu seja um admirador de bons cafés e que eu tenha lá minha queda por sapatos bem afeitados, recusei fazer uso da selfie como moeda porque ali eu me senti convidado a ser garoto-propaganda de marcas que eu sequer conheço e pelas quais eu talvez nem tenha um apreço especial.
Em outras épocas, estes papéis pareciam estar sempre destinados às celebridades ou pessoas famosas, pelo menos na propaganda tradicional. Em certo momento muitos de nós quisemos usar o tênis do Michael Jordan ou, mais recentemente, os óculos da ex-BBB Juliete. Temos, como sociedade, esta bizarra adoração por estes indivíduos que de alguma forma acenam para os ideais da cultura – e que, muitas vezes, têm gostos duvidosos, diga-se de passagem. Claro, há uma diferença importante aí: os “famosos” recebiam uma bela quantia em cachê pelos comerciais que faziam – não um percentual em suas compras dos produtos da marca.
Esta relação com bens de consumo “abençoados” pelas celebridades é uma forma bastante peculiar de religião animista. É como se supuséssemos que algo da fama ou do reconhecimento daqueles famosos estivesse contido nos produtos que eles fazem propaganda, uma forma de termos em nós algum traço de identificação com quem supomos ser bem aceito pela cultura.
Penso que esta mercantilização da imagem de si acabou entrando no campo em que nós, reles mortais, habitamos justamente por um efeito bastante evidente das redes sociais, em especial do Instagram: a falsa ilusão de que somos protagonistas no mundo, de que os holofotes estão voltados para nós o tempo todo. Em nossas contas pessoais, somos todos celebridades locais.
Quando alguém pode fazer uma curadoria da imagem de si, fica-se com a impressão de que se pode modular a sua narrativa de vida de forma a influenciar o quanto se é amados pelos outros e, em ampla escala, pelo social como um todo. Em maior ou menor medida todos nós estamos frequentemente nos comparando com certos ideais de felicidade, produtividade e beleza propostos pelo discurso social. Talvez, a diferença de outras épocas, hoje em dia nós supomos que estes ideais não estão mais representados só pelas celebridades, mas que também possamos encontrar alguém feliz, produtivo e bonito para invejar no nosso vizinho, nosso colega de trabalho, nosso familiar. É a versão contemporânea daquele papo de família sobre o “primo que seu deu bem na vida”. Mas, em tempos em que parecer é o verbo orientador da cultura, a curadoria da imagem de si rapidamente se torna uma condenação à exploração da aparência.
É neste sentido que entendo que aquela proposta das lojas em que eu e minha companheira estivemos não seja necessariamente algo novo, mas apenas um passo a mais em uma maquinaria que há algum tempo já vem se azeitando dentro e fora das redes sociais.
Ora, hoje em dia quase todos os restaurantes e bares afirmam querer trazer aos seus clientes uma experiência. Não se pode mais comer uma fatia de torta ou tomar um drink pura e simplesmente: a torta agora vem personalizada com o nome do consumidor e o drink, não raro, é acompanhado por alguma mensagem (pouco) engraçada colada no copo. Há todo um ramo chamado de estabelecimentos instagramáveis, ou seja, lugares bonitos que ficam bem em fotos. São aquelas confeitarias, cafés e livrarias pensadas milimetricamente para serem enquadradas pelas câmera de celular e para servir de moldura para os manequins humanos que todos somos ao tirarmos selfies.
Na base de toda esta forma instagramável de viver a vida está um sentimento absolutamente fundamental: a inveja.
Quando eu era pequeno, meu sonho era tirar uma foto ao lado de algum jogador de futebol famoso. Fiquei esfuziante, por exemplo, quando recebi uma camiseta autografada pelo goleiro Taffarel na época da Copa do Mundo de 1994 (ele era conhecido da minha tia-avó). As fotos ao lado de celebridades são como provas de pequenos acenos de que somos dignos de nota por aqueles que idolatramos – se o fulano de tal tirou uma foto comigo, significa que sou reconhecível pela cultura.
De fundo, em todos esse casos, opera uma economia da inveja e uma demanda de amor pelo social e pelos outros. Somos esses Narcisos do século 21, apaixonados não por nós mesmos, mas pela nossa imagem que é capturada pelas câmera frontais de nossos celulares.
Basta uma pedra atirada na água, entretanto, para vermos nossos reflexos perderem os contornos.