Quantos amores moram dentro de você? São gêmeos idênticos ou diferentes? E se forem diferentes, haverá amores mansos e outros raivosos, caudalosos e mendicantes, agitados e tranquilos, correspondidos e ignorados? Há amores mais amados que outros amores? O que faz você amar um amor mais do que outro? Há o amor preferido? Amor de segunda? Amor pródigo? Amor canguinha? Amor Perfeito?
Você sempre deu amores iguais? O da primeira namorada, da primeira esposa, das segundas, das terceiras, eram iguais? Não! Por que eram diferentes? Seu amor envelheceu?
Os amores moleques vêm sempre antes dos velhos ou há velhos com amores moleques e moleques com amores velhos? Os amores podem nascer velhos e se tornarem moleques? Amores velhos podem ser novos e novos podem ser velhos?
O seu melhor amor está guardado pra quem? Você não tem medo de tanto guardá-lo e morrer sem dá-lo? Seu melhor amor iria para o caixão contigo como os egípcios faziam com seus animais de estimação?
E sendo muitos amores, viveriam eles em tribos, distribuídos por afinidades? Pode haver ódio entre os amores? Guerras entre os amores? Amores podem se ferir de morte?
O amor morre ou seria mesmo eterno enquanto dure como disse Vinícius? E se o amor morre, há um enterro, os outros amores choram, ou o amor pode ser indiferente? O amor que morre seria realmente um amor, ou quem sabe uma paixão disfarçada, então de verdade ele seria infinito? Quando morre quem ama, leva consigo o amor, ou ele é maior que o criador? Ou de verdade você é apenas a criatura dele?
Se antes de morrer você pudesse visitar o cemitério dos amores perdidos, quantas lápides encontraria? Lembraria de cada foto? História? Momento? Reviveria cada sensação de estar amando ou sofreria pelos amores mortos? Teria culpa? Saudades? Haverá fotos nos túmulos dos amores ignorados ou o amor precisa de alguém pra existir? Haveria a foto daquela sua primeira gatinha preta e branca, aquela que te fez conhecer pela primeira vez a dor da perda quando morreu?
O cemitério onde fica o mausoléu do amor próprio é solitário, no máximo divide espaço com os túmulos de sonhos, nele nada brota. O amor próprio é a matriarca dos amores, sem ele, nada nasce. Na entrada do mausoléu se lê: “Aqui jaz sua vida”. Tudo nele é triste, silencioso. No fundo um caixão pequeno, muito pequeno, cercado pela humilhação, desgraça e solidão.
Amor tem data de nascimento? Quando nasce, os outros amores comemoram? Amores podem são gestados, aguardados com amor? Certo é que o amor nasce sem avisar, sem dores, sem bolsas estourando, às vezes vem pequeno, outras vezes chega gigante, sempre avassalador, sempre surpreendente, sempre único. Não há amores iguais, cada um é um universo que não se repete.
A paixão consta como mãe na certidão de nascimento do amor? Aquela doida, que anda de moto sem capacete, passa sinal fechado, só faz besteira, sempre agitada, arruaceira, com frio na barriga, sôfrega, fogosa, passageira, buliçosa, intensa e espaçosa. O amor devia pedir um DNA, pois é tão diferente que dá pra desconfiar: plácido, centrado, duradouro, introvertido no seu objeto, brasa, estável.
Não há amores feios. Todos os amores têm uma beleza magnífica, angelical, perfeita. O amor é divino, afinal Deus é amor. Pouco interessa se você é ateu, pois sua descrença não faz você deixar de ser amado.
Como diz o soneto, de tudo ao meu amor serei atento antes, com tal zelo sempre e tanto, que mesmo em face do maior encanto, dele se encante mais pensamento. O amor precisa ser alimentado, cuidado. Sem atenção, o amor desaparece. Ele é uma planta delicada que precisa ser regada, estar em bom solo, receber a luz do sol pra não murchar e deixar de existir. As ervas daninhas do ciúme, inveja e orgulho também destroem o amor.
Não há hospícios para loucos amores. Não existe camisa-de-força que consiga conter um louco amor. Eles nos arrebatam das nossas vidas mornas e nos lançam nas aventuras da existência. Chegam sem avisar, tsunamis que arrastam certezas, bons sensos, equilíbrios virtuosos. Sequestram sem pedir resgate sequestrados que não querem ser libertados. Eles constroem destruindo nossas crenças.
Amor não pede licença, nem faz perguntas, chega derrubando a porta, desafiador, um Capitão Rodrigo com seu sorriso largo e arrogante, bagunça nossa vida, levanta as tampas das panelas, prova nossa comida, abre nossas gavetas, desmarca nossos livros, nos cala com um gesto, nos derrota no primeiro round.
Amor pode se transformar em ódio ou ódio é o fantasma do amor perdido? O ´ódio está dentro do amor, como figura sinistra, quieta na penumbra, animal selvagem preparando o bote?
Amor se aprende ou simplesmente existe? O amor que você ganhou dos seus pais, pode ser repassado?
Quero viver meu amor a cada vão momento e rir meu riso e derramar meu pranto, ao seu pesar ou seu contentamento e, quando mais tarde me procure, quem a sabe a morte, o fim de quem vive, ou a solidão, o fim de quem ama, eu possa lhe dizer do amor que tive, que não seja imortal, posto que chama, mas que seja infinito enquanto dure (Vinícius de Moraes).
Ilustração da Capa: Acervo do Autor | Shutterstock