Este agonizante 2023, me parece, é o ano do fingimento. Finge a direita, finge a esquerda e finge o centro…2023 nasceu de um fingimento que durou quatro anos. Fingimento que começou em 2018, quando parte dos brasileiros que não queria Lula no poder fingiu acreditar que Bolsonaro poderia ser um bom presidente e se inverteu em 2022, quando alguns dos que fingiram acreditar em Bolsonaro decidiram fingir crer em Lula…
Deu nisso: os extremistas de direita que alguns, fingindo mais ainda, dizem que são apenas conservadores, defensores da família e do que eles consideram bons costumes, fingem que têm força para dar um golpe.
O governo, dito de esquerda e chamado de progressista pelos que temem ser chamados de comunistas, fingindo que tem medo do golpe.
E o centro… aliás, será centro mesmo, ou a direta esperta? Bueno, como diria aquele ex-governador, vamos lá, chamemos de centro-direita.
Esse pessoal, aproveitando o fingimento geral, toma posse informal do poder. E estabelece preço e condições de pagamento para que a esquerda não seja vítima de um golpe da direita e para que a direita não tema ver suas criancinhas devoradas por perigosos comunistas ávidos por ocupar, de graça, até as casas do Minha Casa Minha Vida…
Menos mal que Lula, craque da negociação política, administra bem esse fingimento todo. Claro, o tri presidente também finge um pouquinho… Afinal, o resultado do governo – positivo ou negativo – vai para a conta dele. Para ir levando o país no que considera o caminho certo, Lula finge que divide o poder atendendo anseios individuais de políticos que não querem mais do que garantir uma vaguinha no parlamento por meio de dinheiro do orçamento.
Lembremos a divisão. Lula assumiu o governo com 37 ministérios divididos por nove partidos. No dia 1º de janeiro deste quase findo ano de 2023, 11 mulheres estavam na foto oficial. O primeiro ano de Lula III termina com 38 ministérios divididos por uma dúzia de partidos e o time feminino com dois desfalques: Ana Moser e Daniela Carneiro deixaram os ministérios do Esporte e do Turismo, substituídas por homens.
Aliás, três desfalques, se considerarmos a presidência da Caixa, cargo de primeiro escalão. Maria Rita Serrano deu lugar a um indicado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP/AL) que é deputado e finge ser primeiro-ministro.
E essa repartição vai dando certo para o governo Lula. Agora mesmo, uma emenda pra cá, outra pra lá e foi aprovada a reforma tributária, cujo debate, durante uns 30 anos, rendeu emendas e mandatos para todos os gostos e lados…
O fato é que fechamos o ano com um sistema tributário mais moderno e mais justo. Alguns chegam a comparar esse novo sistema de cobrança de impostos ao Plano Real que tirou o país do buraco, gerou a Lei de Responsabilidade Fiscal, modernizou a economia. Torçamos para que isso seja verdade. Que a reforma seja pra valer e não só fingimento…
Quanto ao resto, resta a nós, eleitores, lutar contra os fingidores. Em 2024 tem eleição municipal. Você vai eleger as mulheres e os homens a quem caberá resolver os problemas da sua cidade. Coisas bem concretas: a qualidade do transporte público, da escola dos nossos filhos, a iluminação da rua onde moramos, o funcionamento das empresas onde trabalhamos…
Vamos parar de fingir que gostamos de um candidato só porque não gostamos do outro… Vamos parar de dar trela para esses que falam mal da política e vivem dela…
Em 2022, a sociedade mostrou que não quer saber de autoritarismo, fez calar o discurso de ódio e derrubou do poder os enganadores que se juntam para garantir interesses de alguns contra os interesses da maioria.
O Brasil pode aproveitar 2024 para começar das cidades, a dar fim ao fingimento, e a consolidar um sistema político contemporâneo, onde a agenda da Nação se sobreponha a toda as outras. Um sistema político com partidos que sejam mais do que ajuntamentos de pessoas em defesa de interesses regionais, classistas e até individuais.
E vamos, principalmente, lembrar que a louca do Mário Quintana, chamada Esperança já está pronta para pular deste 12º andar de 2023. Copio, aqui, o grande poeta:
Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E — ó delicioso voo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança…
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA…