Para chegar aonde quero chegar, vou dar uma voltinha na história política que marcou o Brasil ultimamente. Nos últimos quatro anos (2019 a 2022), depois do impeachment de Dilma Roussef, que contou com a farsa chamada Michel Temer, o trio “Deus, Pátria, Família” foi muito exaltado. Palavras comuns do nosso cotidiano que diante dos rumos políticos que se desenhavam passaram a representar um inequívoco aceno ao fascismo. Para enfatizar ainda mais o aceno, se desconsiderou as religiões de matriz africana, se ofendeu mulheres, se negou a ciência e as artes e até “pintou um clima” em relação a menores de idade que estavam na calçada de uma rua, insinuando que eram jovens prostitutas. Paralelamente, os estupros aumentaram. Só em 2022 foram registrados quase 75 mil casos. Mas, de acordo com estudo recente do IPEA/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, apenas 8,5% são denunciados. Se o estudo está correto, o número de casos de estupro chega perto de 900 mil por ano, quase um milhão. A maioria das vítimas são crianças e adolescentes, incluindo bebês – 10,4% bebês e crianças com idade até 04 anos; 17,7% entre 05 e 09 anos e 33,2%, entre 10 e 13.
Aproximadamente 08 em cada 10 vítimas de violência sexual são menores de idade. E o que me inquieta muito é o silêncio em relação aos abusos. Um silêncio que esconde outros tipos de abuso e ameaças que inibem as denúncias. Até porque muitas situações acontecem dentro de núcleos familiares e são negadas por medo ou, quem sabe, vergonha, o que é ainda mais assustador.
Perguntas que me invadem e angustiam diante de tanta violência: que Deus é esse? Que Pátria é essa? Que Famílias são essas? Como suportamos quatro anos de um governo cínico e cruel, que virou as costas para a população nos momentos mais difíceis da pandemia, ignorou situações em que violência era evidente, riu e debochou da nossa dor?
É bom lembrar que o lema “Deus, Pátria, Família” é uma herança do movimento nazista, de Hitler.
Mas os alertas que apontam para atitudes desumanas, irresponsáveis e preconceituosas, mostrando a incapacidade de algumas pessoas de encarar abusos de qualquer natureza, mesmo diante de denúncias incontestáveis, não param por aí. E seguem provocando indignação e medo. Recentemente um pai agrediu o filho com paralisia cerebral na entrada de um elevador. A polícia zombou de uma pessoa com nanismo suspeita de chefiar uma quadrilha, quando a atitude adequada seria levar esta pessoa para uma delegacia, investigar e prender, se fosse o caso. Jamais rir da sua condição. É impressionante como a discriminação sempre fala mais alto quando envolve negros, população LGBTQi+, indivíduos com uma diferença marcante, moradores das favelas, moradores de rua e por aí vai. A polícia, que deveria garantir a segurança das pessoas independente de cor, raça, gênero, opção sexual, tamanho, condição social, física, mental ou intelectual, mostra que não tem escrúpulos. Abusa do poder e das armas. Basta observar o que faz nas periferias, quando entra atirando em busca de traficantes e mata sem piedade, como se todos os moradores fossem bandidos.
Infelizmente, tais violências acontecem em todas as administrações. O presidente da república e os governos estaduais e municipais precisam olhar com redobrada atenção, para além das questões partidárias e das disputas por cargos, para o abuso de poder, o machismo e a violência que marcam tais atitudes. O fim das chacinas, da discriminação e o direito à integridade e à vida são urgentes. Ações policiais em SP, Rio e Bahia deixaram 45 mortos em apenas cinco dias. O The Intercept_Brasil, jornal on-line independente, definiu com clareza o que acontece – “Um preto brasileiro é alguém que vive com alvos desenhados na cabeça, no peito e nas costas, mesmo que ignore isso. O corpo não lhe pertence. A caminhada não importa. Não interessa se saiu de casa para comprar macarrão, se portava um guarda-chuva ou ainda se estava a caminho da escola”.
Por outro lado, os incêndios florestais e as ondas de calor extremo na América do Norte, na Europa e na Ásia colocam populações em risco. E as previsões para o restante deste ano e para 2024 não são nada animadoras. O novo marco do aquecimento global e as mudanças climáticas que vivemos são aterrorizantes.
Pagaremos caro pelas ambições e pelas violências desmedidas que geram tais condições. Pagaremos caro pela nossa incapacidade de ouvir as vozes da floresta e as vozes das pessoas ameaçadas e assassinadas todos os dias.
Perguntas que ficam:
– O que entendemos por Deus?
– O que entendemos por Pátria?
– O que entendemos por Família?
– O que leva um pai a não acolher a dificuldade de um filho?
– O que provoca o aumento da violência sexual?
– Até onde vai o poder da polícia, que já chega atirando e matando?
– O que é uma favela?
– O que fazem os políticos de plantão de norte a sul?
– O que estamos fazendo com o meio ambiente?
– O que estamos fazendo com a nossa humanidade?
Julho de 2023 chegou ao fim deixando rastros nada animadores para a nossa reflexão. E agosto parece seguir o mesmo caminho.
E, então, vamos silenciar mais uma vez? Não dá mais para esperar!
“Não dá mais pra segurar, explode coração”, como diz a canção de Gonzaguinha.