O drama que faz da garotinha de três anos sentada na fileira atrás de mim no avião dá uma amostra do problema do uso dos celulares entre as crianças.
Não tem acordo. Ela chora e pede sem parar o aparelho. Os pais discutem entre eles. Um diz “deixa”, o outro “assim não pode! ” A criança não para de gritar. Já tentaram a mamadeira, a chupeta, o bichinho de pelúcia e nada. O pai cedeu, a mãe reclamou. Está armada a confusão. Eu tento escrever enquanto ela chuta sem parar o encosto da minha cadeira em um ataque de birra. Sei a idade da criança porque a mãe pondera: “Já tens três anos, não podes mais fazer assim”.
Presencio esta cena justo na semana em que o governo português anunciou uma recomendação para proibir o uso de celulares nas escolas para crianças até os doze anos. Dos doze aos quinze anos, não há por enquanto uma recomendação de proibição propriamente dita, e sim para a adoção de medidas que desincentivem a utilização de smartphones no espaço escolar.
Ainda é um tema orientativo, mas a medida pode se tornar obrigatória em um futuro próximo. Algumas escolas em Portugal saíram na frente e implementaram por conta própria práticas desta natureza desde 2017, porém são poucas. Apenas 2% das escolas em todo o país aplicam essas proibições.
A decisão do governo de limitar o uso dos telefones baseia-se em estudos que mostram os impactos negativos que podem causar no desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Vários países da Europa já adotam políticas semelhantes. Na Espanha, por exemplo, algumas regiões proíbem o uso de telemóveis, mas não há uma regulamentação nacional. Na França, há um projeto-piloto para banir os celulares nas escolas para alunos até os 15 anos. Na Alemanha, as escolas possuem autonomia, mas a maioria já proíbe o uso de dispositivos em sala de aula, exceto para fins educativos. Já a Itália proíbe o uso em sala, mesmo que seja com finalidade pedagógica.
O assunto preocupa não só pelo impacto no desenvolvimento cognitivo ou como um fator que dificulta as interações sociais. Ficar sentado com um celular nas mãos ou na frente de uma tela de computador pode comprometer também um bom desenvolvimento físico entre os mais jovens. Um estudo feito pela Universidade de Harvard apontou que crianças e adolescentes apresentam risco maior de se tornarem obesos se comparados com grupos que não usam habitualmente os aparelhos. De acordo com a publicação, o uso de tablets, celulares e outros dispositivos eletrônicos durante cinco horas ou mais faz com que aumente o consumo de bebidas açucaradas e snacks. Além disso, interfere na qualidade do sono e desestimula a prática de atividade física. Resultado: descontrole na balança.
Na mesma linha, porém, se tratando de estudantes um pouco mais velhos, a UNESCO, no seu relatório “A tecnologia na Educação” de 2023, destaca os riscos do bullying digital. Com base em dados compilados em trinta e dois países, o documento mostra que cerca de 20% dos estudantes entre 14 e 16 anos já foram vítimas desta prática.
Uma sondagem realizada em 2020 pela rede EU Kids Online com crianças e jovens portugueses, entre os 9 e os 17 anos, mostrou que 90% usam o celular todos os dias e 87% acessam frequentemente a internet por smartphones. Quase um quarto dos ouvidos admitiu já ter sofrido bullying, sendo o cyberbullying o mais comentado. Especialistas são categóricos em afirmar que a utilização constante dos telemóveis aumenta inevitavelmente a exposição a situações de risco.
O assunto da proibição tem tomado as manchetes e diferentes setores da sociedade já se manifestaram. Até agora, os que mais reclamam sobre ter que deixar celulares em casa são os diretamente afetados. Contudo, não é unanimidade. Alguns jovens veem positivamente a questão e afirmam que sentem dificuldade em se concentrarem na escola quando têm os aparelhos com eles.
Aqui perto de mim a criança se acalmou. O voo está atrasado e estamos há mais de meia hora dentro do avião aguardando a autorização para decolar. Dou uma olhada em volta e até onde minha vista alcança estamos todos de cabeça baixa olhando para as telas. Eu inclusive.
Olho para trás e adivinha?
Penso: “Que exemplo estamos dando?”
Referências:
- Visão
- Lusíadas
- Continente
Foto da Capa: Freepik / Gerada por IA
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