As entidades naturais ancestrais já usufruíram de um planeta saudável em um passado remoto. Nós, os “Modernos”, andamos por aí destruindo-o.
Será que ainda conseguiremos usufruir de um ambiente saudável? Uma das respostas pode estar na arte. E ela pode nos salvar.
Glauco Rodrigues (1929 – 2004) foi mais do que um artista: foi um artivista. Assim o considero. A arte indígena começa a emergir nos palcos até então dominados por não indígenas. Diante de Kamé e Kairu (leia aqui) é um exemplo recente. Não é preciso ser filósofo para refletir sobre os efeitos de uma natureza invadida por um estio de vida pautado por uma lógica de troca unilateral: extraí de um lado e não devolve de modo generoso do outro. Na extensa obra do artista do Clube de Bagé, Glauco se mantém uma voz crítica voraz.
A arte tem uma força: o incrível poder de deslocar nosso olhar. A normalidade é deslocada. Um estranhamento é gerado. Uma estranheza que brota da alma. O simples ato de admirar um desenho ou uma pintura pode ser um ato de despertar. Sentir que algo está errado com nosso ambiente e com o modo que as sociedades vivem. Perceber estar normalizando o que não deve ser normalizado.
Entre as várias serigrafias, pinturas e desenhos do artivista de Bagé, destaco uma que chama a atenção para os desafios atuais: “Lagoa de Marapendi: conservando, usaremos”, de 1989. A pintura foi parte de uma campanha de conscientização de uma empresa de engenharia e construção da década de 1950 sobre os riscos de poluição nas águas da lagoa carioca. Qualquer similaridade com o Guaíba não é pura coincidência.
Rios, lagoas, montanhas e florestas estão sob ataque: do garimpo na Amazônia até a falta de saneamento básico das grandes cidades do Rio Grande do Sul e seus efeitos ao longo dos cursos d’água.
As águas limpas e cristalinas já fazem parte de um passado longínquo. A frase de Glauco na pintura de 1989 “conservando, usaremos” foi um alerta ignorado pelas grandes empresas, pelo poder público, pela sociedade civil em geral.
Obviamente que esse tipo de alerta já é realizado há décadas pelos povos originários no Brasil (como os Kaingang do Rio Grande Sul), ambientalistas (como os membros da SOS Mata Atlântica — que atuam em 17 estados brasileiros), cientistas (como os membros do IPCC e das Universidades), artivistas (como Glauco, Tarsila e outras) e outras pessoas como você que lê estas palavras e sente no corpo as adversidades de um ambiente degradado no dia a dia.
É um chamado contra o ecocídio que está em movimento.
O recente Relatório Síntese “Sumário para Formuladores Políticos” do IPCC publicado em março de 2023 — AR6 Summary for Policymakers (aqui) — apresenta a consolidação de mais de cinquenta décadas de pesquisas científicas de que se não conservarmos, não poderemos usar. É o chamado mais recente da Ciência.
Talvez a Arte somada à Ciência possa nos salvar. Talvez, ambas de mãos dadas, Arte-Ciência, possar nos ajudar a superar a banalidade do mal contemporâneo: o Leviatã Climático.
Pintura “Como era gostoso o meu francês”, 1993, de Glauco Rodrigues
A tempo: a exposição “Glauco Rodrigues — TROPICAL” está no Museu de Arte do Rio Grande do Sul — MARGS). A mostra segue em exibição até 16.04.2023. Vale conferir e sentir o estranhamento.
Um pouco do tropicalismo crítico de Glauco:
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