“Cafona”, “fantasia de Carnaval”, “paquita da Xuxa”, “parecia roupa do Elvis Presley”, “velha-guarda da Imperatriz Leopoldinense”, estes foram alguns dos comentários sobre a roupa de Rosângela Lula da Silva, a Janja, na posse do marido, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Congresso Nacional. Repercutidas em redes sociais, as opiniões dividiram até estilistas e analistas de moda. Eu mesma cheguei a torcer o nariz para a escolha da primeira-dama, antes de refletir por que a escolha da roupa de Janja importa para um Brasil mais diverso, respeitoso e igualitário. A pantalona solta, confortável e imponente fala sobre a emancipação feminina: Janja foi a primeira primeira-dama a vestir uma calça na cerimônia de posse presidencial.
Eu custei a acreditar, mas está no site do Senado brasileiro: a primeira vez que uma mulher teve permissão para usar calça comprida no Plenário do Legislativo foi em 1997. Isso mesmo, há 25 anos. A permissão aconteceu a partir de um ato do presidente da casa, o senador Antônio Carlos Magalhães (1927-2007). Por que a autorização foi tão tardia? Talvez porque poucas mulheres ousavam entrar para a política até então no Brasil.
O uso da calça no Congresso era uma não-pauta na época porque a participação de mulheres no Congresso foi insignificante até 1987, com no máximo seis mulheres por legislatura e nenhuma senadora. É desigualdade de gênero que chama? No mandato 1989-1991 foram 26 mulheres entre deputadas e senadoras, chegando a 39 na legislatura de 1995-1998, quando a pauta da vestimenta feminina entrou em questão. Foi também no final da década de 1990 que as mulheres passaram a ter cota de candidatura por partido político, por força de lei.
A roupa da primeira-dama é sempre parte da cobertura de imprensa em cerimônias de posse. Uma rápida busca no Google mostra que a pantalona, o colete e o blazer estruturados em seda e bordados com fibras naturais foram assinados pela estilista Helô Rocha. Além disso, especialistas em moda interpretam as cores bege como simbologia do solo da terra nordestina e os bordados de rendeiras do Rio Grande do Norte como uma homenagem à típica cultura artesanal brasileira.
Ao mirar em dar prestígio à moda brasileira, Janja acertou também o coração de agremiações de samba. A primeira-dama despretensiosamente conquistou apoio de diversas escolas de Samba do país. Entre as críticas que mais repercutiram nas redes sociais estão a da YouTuber Antonia Fontanelle. Ao comparar o traje de Janja com o da velha-guarda carnavalesca depreciativamente, Antônia despertou a ira da comunidade do samba que solicitou o descredenciamento dela dos desfiles deste ano. Já Janja ganhou simpatia e um convite para desfilar como madrinha da galeria da velha-guarda da Imperatriz Leopoldinense no Carnaval em 2023.
Apesar de não ter declarado a intenção de elevar a bandeira feminista, ao escolher a calça quando é esperado que a primeira-dama desfile de saia ou vestido, Janja fortalece a liberdade feminina. A calça é uma peça mais confortável, mais quente e mais equânime. Os descontentes podem classificar a roupa da posse de brega, cafona e de mau-gosto, mas a primeira-dama brasileira chegou a ser comparada à Coco Chanel pela ousadia de levar a moda típica nacional para o mundo ver. Icônica, casual, emancipatória, a primeira-dama definitivamente não veste Prada, luxo ou protocolos, Janja veste calça à brasileira. Quebra um protocolo e constrói um novo paradigma. Você pode até não ter gostado da cor, do bordado ou das pregas, mas terá de admitir: Janja vestiu uma roupa que fala.