Nem que fosse a recente declaração “menos diplomática” do presidente Lula, seu inferno zodiacal pode estar apenas começando. Parece faltar-lhe algo de seu antigo traquejo político, de um homem forjado nas negociações com os sindicatos patronais e sempre obtendo êxito para seus metalúrgicos. Agora, atrai todo o fogo (amigo e inimigo) sobre si. Via de regra, por afirmações desnecessárias.
A última, depois de confirmar, em entrevista de vídeo, que só ficaria satisfeito se conseguisse “foder esse Moro”. Não é vez do Lulinha Paz e Amor, nem tampouco a de fazer um governo de pacificação do Brasil. Lula transmite mágoa e rancor ao juiz que o colocara na cadeia por mais de 500 dias e depois abandonara a magistratura para ser Ministro de Jair Bolsonaro. “Acho que é mais uma armação do Moro, mas quero ser cauteloso. Vou descobrir o que aconteceu. É visível que é uma armação do Moro”.
A declaração surgiu no decorrer da semana, em Itaguaí, preparando-se para seguir à China, compromisso adiado (possivelmente para maio) por recomendação médica. Quando provocado pela imprensa sobre o episódio envolvendo o plano do PCC para matar o senador Sérgio Moro e outras autoridades, descoberto por meio de operação da Polícia Federal, o presidente emendou ainda que a juíza Gabriela Hardt, que autorizou a ação da Polícia Federal, não estava em atividade. “Mas isso a gente vai esperar. Não vou ficar atacando ninguém sem ter provas”, remendou.
Relacione-se ainda a queda de braço com o Banco Central, a crítica inédita de um Ministro da Fazenda sobre a decisão do Copom de manter a taxa básica dos juros elevada e o fogo começa a se espalhar pelo circo. Nos últimos dias, o governo ganha manchetes mais por seus erros do que pelos acertos. E não são poucos acertos, mas os erros tomam outra proporção porque vêm do Presidente da República. A decisão do Banco Central de manter os juros em 13,75% e ainda sinalizar a manutenção da taxa básica de juros por período prolongado eriça a petistas e aliados de Lula. Porém, a demissão do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, pode ser obtida senão após penoso processo no Senado da República. Possível é, mas o custo político, em tempos de Centrão revigorado, é alto e não vale a pena ser pago.
Será que ninguém ainda disse isso ao Presidente da República? Seria tarefa de seu Ministro da Comunicação, Paulo Pimenta, que agora se envolve com críticas a jornalistas, ou essa interlocução não cabe a ele? Parece que só um assessor da copa e cozinha do presidente teria capacidade de fazer esse alerta. Se não os ministros Rui Costa, da Casa Civil, ou Alexandre Padilha, das Relações Institucionais, quem faria essa interlocução? Por enquanto, os dois citados jogam mais combustível na fogueira.
É hora de chamar os bombeiros ao Palácio do Planalto.
As acusações e as ações contra os atentados
A Polícia Federal, na quinta-feira passada (22), cumpriu onze mandados de prisão e uma série de diligências para desarticular um plano da facção criminosa Primeiro Comando da Capital, o PCC, que teve início antes da eleição, quando Moro e membros do Ministério Público começaram a ser vigiados. A PF afirma, em pedido de prisão enviado à Justiça, que o plano de ataque era iminente e que a facção vinha monitorando locais que o ex-ministro frequentava.
A operação dividiu o governo Luiz Inácio Lula da Silva. Enquanto o presidente e alguns assessores próximos acirraram a disputa com opositores ao sugerir uma “armação”, outros aliados lamentaram a declaração do presidente e iniciaram uma operação para tentar corrigir o discurso oficial.
O que está provado até agora:
# A Polícia Federal afirma em pedido de prisão enviado à Justiça que o plano de ataque do Comando contra o ex-ministro e atual senador era iminente e que a facção monitorou locais que o ex-ministro frequentava.
# Os investigadores iniciaram a apuração com base em depoimento de um ex-integrante do PCC que se transformou em testemunha protegida da Justiça de São Paulo. Foi ele quem relatou o plano de sequestro do ex-ministro, posteriormente levado para os investigadores da Polícia Federal.
# Segundo a Polícia, a quadrilha chegou a fazer um reconhecimento detalhado do local de votação de Moro, incluindo a descrição das entradas, câmeras existentes no local, segurança e rota de acesso. A investigação também encontrou imagens do prédio onde Moro vivia no Paraná no celular de um dos investigados. Segundo a PF, o plano do PCC estava em andamento desde o ano passado; em fevereiro, o desfecho já era iminente.
# Conhecido como Nefo, NF ou Dodge, Janeferson é apontado pela PF como responsável pela “organização, financiamento, planejamento e execução do sequestro/atentado” contra Moro. Ele seria um integrante da Restrita 05, célula da cúpula do PCC. Entre outras informações, a PF identificou aluguel de imóveis em Curitiba durante a execução do plano.
# As anotações do PCC apontam que o plano para sequestrar o senador previa custos de ao menos R$ 564,5 mil. As despesas envolveriam R$ 110 mil em fuzis e R$ 90 mil em dois carros, entre outros itens. Na decisão que autorizou a operação, a juíza Gabriela Hardt cita que a “capacidade bélica dos criminosos é notória, tendo sido obtidos diversos registros fotográficos de armas variadas”. Entre os veículos que seriam usados estava uma Mercedes Benz blindada.
# Um dos motivos para o ataque da facção seria a portaria assinada por Moro, quando ele era ministro da Justiça, que manteve a rigidez no sistema penitenciário federal. O documento foi assinado no mesmo dia em que chefes da facção foram transferidos de São Paulo para presídios federais, em fevereiro de 2019. Os motivos, porém, ainda são alvo de análise por parte de integrantes das forças de segurança de São Paulo. Isso porque, até o final de 2022, o nome do ex-juiz e senador pela União Brasil não constava de lista dos serviços de inteligência paulista sobre os “decretados”.
# Segundo o promotor Lincoln Gakiya, um dos “decretados”, Moro se tornou alvo do PCC justamente após proibir visitas íntimas aos presos no sistema penitenciário federal. “Moro é alvo destes criminosos por conta da portaria que ele baixou proibindo as visitas íntimas no sistema penitenciário federal. Isso realmente desagradou esses criminosos, não só do PCC, mas de todas as facções”, afirma.
# Integrantes do Ministério Público de São Paulo envolvidos na ação afirmam que o plano de ataque contra autoridades seria uma saída depois do desmantelamento do suposto plano de resgatar líderes da organização criminosa, como o Marcola. Por isso, fracassado o Plano A (resgatar Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola) passaram ao B, em que atacariam e sequestrariam autoridades como forma de conseguir liberá-lo em uma “troca de reféns”.