Antes de tudo eu preciso confessar: sempre fui uma voraz leitora e buscadora de decodificar sentidos, símbolos, significados. Tenho uma prática comigo mesma na vida: nunca aceito absolutamente nada sem buscar entender o significado, isto já me faz uma pessoa com um senso analítico que precisa se contextualizar e compreender intencionalidades, ideologias e discursos. Esta prática me faz construir novos sentidos e muitas vezes mergulhar em camadas, além da superficial, me trazendo grandes respostas. E não seria diferente quando me proponho a entender a um dos termos que mais anda em alta na internet: apocalipse.
Estamos vivendo tempos apocalípticos? Você diria que sim ou não? Isto te inquieta ou você não quer pensar sobre? E eu ainda te perguntaria: o que isto tem a ver com o calor excessivo, chuvas e inundações, “maldade”, “bondade”, ação entre as pessoas e o scroll (ato de rolar o dedo sem parar no feed das redes sociais em busca de algo para aliviar a sensação de tédio e frustração que todos sentimos) em meio a declarações da Sandy sobre beleza, o aniversário de 50 da Angélica, mais uma posse de um homem no STF, racismo por todos os lados, crise climática, e mais crise climática, as Olimpíadas de 2024, o show Numanice da Ludmila, gente pedindo dinheiro, seja para doações de Natal, ajuda humanitária, e mais uma guerra, mortes, terrorismo, violência e a vinheta de final de ano da Globo?
A hipermodernidade chega cheia de aleatoriedades e nos gera uma avalanche de estímulos, em meio a tecnologia, e o apocalipse vai ganhando forma em nossas mentes e corações. Mesmo quem não tem prática religiosa ou vínculo com a bíblia sabe que o apocalipse é um arquétipo humano relacionado de maneira simplória ao fim dos tempos, fim do mundo. É um conceito religioso que se tangibiliza na tradição judaico-cristã, e se materializa em um livro canônico no último testamento, atribuído a São João, que contém “revelações”, sinais, em particular sobre o fim do mundo. O Apocalipse sempre esteve no imaginário da cultura humana e se transformou em um vasto campo de literatura, seja religiosa, de ficção cientifica, filosófica atendendo a outra face humana: o desejo de profecias e de um messianismo com a ideia de um “salvador”.
Minha ideia aqui é passar longe da teologia, mas de conseguir transitar neste conceito de “revelação”, de sinais e principalmente como lidamos com isto a partir de simbolismos. Sabemos através de muitos estudos culturais e históricos que os textos da tradição judaico-cristão traziam referencias até cifrados para poderem circular e fugir da ira dos poderosos. E sabemos também que muitos destes textos hoje são interpretados ao pé da letra, expressão das antigas, para fundamentar crenças, seitas, grupos religiosos e fundamentalistas de várias religiões. Em momentos de crise, de transformações intensas como a que estamos vivendo, podemos nos relacionar com todo este cenário de mood apocalíptico de muitas maneiras: a pessimista, a otimista e a não estou nem aí (desconexão total) com fatos e clima coletivo.
E a minha pergunta é: quem é você na fila do apocalipse? Já pensou nisto? Tenho visto circulando um meme da Suzana Vieira em uma pose super “rica “dizendo: sobrevivi ao COVID para morrer queimada? A maravilha é que o brasileiro transforma tudo em meme, e mesmo com a enxurrada de notícias sobre a crise climática, vejo de forma empírica poucas pessoas nas redes sociais pessimistas em relação a tudo que estamos vivendo. Talvez os pessimistas já tenham dados o delete nas redes sociais ou estejam se concentrando no “X”. No Instagram, vejo os desconectados bombando alucinadamente entre suas postagens atrás do shape perfeito, da vida perfeita, da última fofoca sobre o corpo alheio ou como a Virginia dança mal. Ok! É rede social e não banca de tese. Mas parece, ultimamente, tudo tão em lados extremos. E o otimismo? O otimismo também é uma vertente de pensamento e mood coletivo que geralmente vem após a passagem de situações difíceis. O Otimismo geralmente vem em momentos de renascimento após a vivência do ciclo no mergulhar na ideia de fim, de se encarar o problema. O otimismo apesar de andar meio desacreditado como uma atitude ingênua é a base para a resiliência e o enfrentamento de situações difíceis. O otimismo como um aprendizado de identificar coisas boas pode nos ajudar a mudar as emoções negativas e pincipalmente nos ajudar a buscar soluções.
E o otimismo é uma capacidade que podemos desenvolver, pois ele nos ajuda a ter esperança e atravessar os ciclos da vida em busca de um futuro. Assim como o ser humano possui sua ligação com o apocalipse, como a ideia de fim de tudo, mesmo no apocalipse há esperança de um novo começo, de novos tempos, de uma regeneração da vida e das pessoas. Nem que seja a partir do que sobrou dos escombros. Vi uma entrevista de Chimamanda em que ela dizia isto: “Fico impressionada com a resiliência e capacidade de prosperar que as pessoas negras tiveram em contextos altamente difíceis e desumanos. Porque no final elas viveram tudo que viveram sem perder a esperança.” Eu ja sei quem sou na fila do apocalipse: a que mantém a esperança após o fim. Trago comigo um otimismo ancestral. E você?
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