Estamos vivendo em uma sociedade doente, tomada pela infodemia, epidemia de fake news e pela síndrome do repost associada à polarização política. Mentiras intencionais são forjadas em narrativas ideológicas e dedos nervosos disseminam mentiras e distorções como massa de manobra configurando o famoso efeito manada. A consequência de uma doença grave sem tratamento que atinge uma população numerosa é a morte lenta e gradual do nosso processo eleitoral democrático.
Manada é o coletivo para animais como touro, vaca, cavalo, mula, zebra e elefante. Dizer que uma espécie anda em manada significa se deslocar em conjunto em direção a algum lugar, por exemplo, em busca de alimentos ou proteção. Acontece que só quem enxerga o caminho é o animal que lidera a manada e, se um animal desvia do coletivo por qualquer motivo, os demais instintivamente ou o seguem, ou se desorganizam. É esta a origem do termo efeito manada.
Nas eleições, o efeito manada pode ser observado em propagação de fake news ou de narrativas fragmentadas, que contam só uma parte do acontecimento com viés ideológico. Vamos observar as narrativas a partir de decisões do TSE sobre a Jovem Pan. Você é aquele que repostou a crítica à censura, que negou a censura veementemente ou aquele que se perguntou o que realmente aconteceu. O que é fato é que em três ações movidas pela coligação Brasil da Esperança, do candidato Lula, a emissora foi obrigada a abrir espaço para direito de resposta por ter permitido veiculação de declarações falsas, ofensivas e distorcidas. Também houve determinação para que este conteúdo já julgado saísse do ar e não fosse repetido na programação, bem como em plataformas sociais.
A decisão da justiça eleitoral segue a constituição brasileira e o código eleitoral que proíbe a veiculação de calúnia, ofensa e difamação. No documento, artigo 49, está expresso que “É assegurado o direito de resposta a quem for injuriado, difamado ou caluniado através da imprensa, rádio, televisão ou alto-falante” e que “caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, imputando-lhe falsamente fato definido como crime” pode levar à detenção de seis meses a dois anos e pagamento de 10 a 40 dias-multa. Leia aqui. Portanto, calúnia é a mentira criminosa. Liberdade de expressão não é liberdade para mentir. Diante do código eleitoral, a interpretação da justiça eleitoral é censura ou restrição legal?
O que o ministro Alexandre de Moraes fez de questionável foi tomar a dianteira em uma resolução contra as fake news. Nos casos em que uma desinformação já tenha sido julgada pelo colegiado do tribunal, ela prescindirá de provocação das partes atingidas ou do Ministério Público para se determinar a retirada de desinformação da internet. “Verificando que aquele conteúdo foi repetido, não haverá necessidade de uma nova representação ou decisão judicial, haverá extensão e imediata retirada dessas notícias fraudulentas”, disse Alexandre de Moraes em coletiva de imprensa.
E então? Censura ou não? As decisões foram tomadas dentro das instituições democráticas. Censura não é uma prática democrática, nem mesmo de instituições. A censura, como a conhecemos na recente ditadura brasileira, está associada à figura dos censores que por decisão deliberada e não provocada por ação judicial determinam o que pode ou não ser veiculado, até porque as apreciações do poder judiciário eram dispensadas. Vivemos hoje no Brasil uma judicialização da política, o que eu enxergo como enfraquecimento do debate público, mas distinto da censura. Muitas decisões, por incapacidade de deliberação qualificada ou por desrespeito à Constituição, acabam por ser judicializadas. Foi assim na pandemia e está sendo assim nas eleições.
O grande problema nem é tanto a discussão do caso Jovem Pan e judiciário. Calúnia é crime eleitoral e ponto. Até pode haver divergências entre juristas e especialistas em interpretação de uma ou outra decisão e, passada as eleições, é importante que o código eleitoral volte a ser discutido. Uma das questões de atualização obrigatória serão as prestações de contas das plataformas de mídias sociais que têm sido bastante protagonistas nas campanhas e na circulação de desinformação. O código precisa ampliar o entendimento do papel destes players nas eleições.
Funesto e catastrófico mesmo é a massiva síndrome do repost, consequência do efeito manada, porque é triste ver os eleitores não buscarem informações para compreender a origem das decisões públicas e formar a própria opinião. Para aprender é preciso ter interesse em compreender, o que exige energia, leitura e tempo. Rápido e lacrador é compartilhar conteúdo de terceiros sem refletir. Dedos nervosos disseminam mentiras e distorções porque não conhecem as regras do jogo, não querem conhecer e confiam em terceiros sem questionar. Para piorar a situação, muitos políticos, que seriam autoridades para falar da coisa pública e do funcionamento das instituições, tampouco se envergonham de serem porta-vozes de mentiras, preconceitos e parcialidades. E você, já sabe responder quem é você no efeito manada eleitoral?