O que seria uma situação de extremo estresse? Numa definição simplista, diria que são situações em que a nossa vida está em jogo ou que a vida de outras pessoas depende da nossa ação. Os especialistas que me corrijam, nas leituras que fiz, eu entendi que na parte frontal do nosso crânio está o lobo frontal do cérebro e que essa é a parte que controla o comportamento social, o humor, a linguagem, o pensamento crítico etc. Eu diria que é a parte que nos torna “sociáveis e bem-educados”. Já na base do crânio está tronco encefálico, que é responsável por regular as nossas funções básicas de sobrevivência, como a respiração, os ciclos do sono, dilatação e constrição dos vasos sanguíneos e a deglutição e que nos avisa o que devemos fazer para escapar dos perigos.
Essa é a parte que ativa os nossos instintos de sobrevivência. No filme “Força Maior”, Thomas e Ebba vão em férias com os dois filhos pequenos para uma estação de esqui nos Alpes e lá ocorre uma avalanche. Quando a neve está se aproximando do local onde está a família com os filhos, o Thomas sai correndo e deixa a Ebba e os filhos para trás, que seriam mortos se a avalanche tivesse chegado até onde eles estavam. Ninguém se feriu, mas a reação de Thomas afeta a sua relação com a esposa e com os filhos. Thomas se dá conta do seu ato, se envergonha e cai num choro compulsivo. Ele causou uma decepção para a família, para si mesmo e aquele momento não era compatível com a foto da família feliz que havia sido postada nas redes sociais poucas horas antes.
Essa provavelmente teria sido uma reação comandada pelo seu tronco encefálico, de puro instinto de sobrevivência. Uma situação oposta é relatada no episódio 99 do podcast “Elefantes na Neblina”, em que um casal em crise conjugal resolve fazer uma viagem para o Sri Lanka como última tentativa de reconciliação. Quando estão lá, ocorre um tsunami e ambos sobrevivem. Eles se engajam fortemente ajudando os familiares dos que perderam pessoas, e nesse processo de ajuda humanitária ambos vão descobrindo uma parte da personalidade do outro que desconheciam. Os dois passam a ver o outro de uma forma completamente diferente e eles voltam a se apaixonar. No podcast, é dito que nessa experiência, o amor saiu de um estado passivo para um estado ativo, e que o amor é algo que a pessoa exercita como se fosse uma musculação. Aqui foi o lobo frontal quem atuou, que ativou o comportamento social do casal e os levou a confortarem desconhecidos.
Eu já passei por situações de estresse, mas não diria que foram de “extremo estresse”. Embora já tenha presenciado a morte de algumas pessoas, a vida delas não dependia da minha ação. Então, não sei dizer como eu me comportaria numa situação dessas. Acredito que isso já esteja programado no nosso cérebro, do tipo: “em caso de risco de sobrevivência cuide de você e esqueça o resto” ou “em caso de risco de sobrevivência cuide de você e quem estiver com você”. Mas, se isto está programado, quais os fatores que levaram a uma ou outra opção? Seria o fator genético? A epigenética (influência do ambiente e do estilo de vida que podem alterar os nossos genes)? O caráter/personalidade/etc. da pessoa? Outros fatores? Quais?
Dois exemplos que ilustram a relação de pessoas em situações de estresse que precisam de ajuda são, primeiro, a de uma mãe com uma criança no avião quando ocorre a despressurização e caem as máscaras. A recomendação é que primeiro a mãe coloque a máscara, para depois ajudar a criança. Moral da história: mesmo que o seu filho seja a pessoa que você mais ama nessa vida, você precisa cuidar primeiro de você para depois poder cuidar dele (comportamento social). A segunda situação é a de uma mãe que não sabe nadar e um filho adolescente que sabe nadar e vai tentar salvar a mãe que está se afogando. Ao se aproximar da mãe ela irá se agarrar no filho e não terá a calma necessária para o resgate, podendo afogá-lo e morrerem os dois. Aqui agiu o instinto de sobrevivência.
A pergunta “Quem sou eu numa situação de extremo estresse?” é desconfortante, pois pode revelar uma outra pessoa que eu desconheço. E assim como o Thomas do filme “Força Maior”, um ato impensado de sobrevivência pode custar caro. Pior do que terminar o casamento e decepcionar os filhos, acredito que foi a decepção pelo ato de covardia que o Thomas teve com ele mesmo. Sorte de quem não precisar viver um trauma, pois eles mudam a vida das pessoas, às vezes mudam a perspectiva de vida para o bem ou para o mal, de admiração ou de decepção com ela mesma ou com outras pessoas. Por outro lado, eventos que nos tiram da “realidade previsível”, são oportunidades de nos reinventarmos, de fazermos um “reboot no sistema operacional” e começarmos de novo!
Referências:
Podcast - Episódio 99 – Fazer Sagrado – Elefantes na Neblina
Força Maior – Sinopse
Foto da Capa: Reprodução de cena do filme Força Maior
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