Estou convencido de que, seja onde for, aquele que tem o bocão para cobrar dos outros que as coisas estejam ordenadas é quem detém o poder maior naquele lugar.
Essa máxima vale para toda e qualquer dimensão espaço-temporal da experiência humana!
Conheço um significativo número de genitoras que se esforçavam para que seus filhos mantivessem os objetos do lar nos seus devidos lugares; admoestações tão recorrentes que deveriam tê-las como tatuadas na alma. Contudo, pelo menos, pelo que se constata, a administração do layout de móveis, roupas, gavetas, cozinha e outros, nas respectivas habitações dos tais, não ecoa os assentamentos das referidas matriarcas.
Todavia, o fenômeno antropológico que se manifesta é que, mesmo muito distantes do exemplo prático materno, afastados anos-luz do ideal por ela pregado, alguns dos herdeiros mantêm a prerrogativa de, não sendo aquele exemplo desejado de organização, ser aquela autoridade que cobra dos demais, em seu convívio, a idealidade de comportamento que nem a genetriz um dia já cumprira na vida. E muito menos o indivíduo em tela…
Daí, a única explicação que me vem à mente é que o exercício da função de reclamar de toalhas de banho em cadeiras de jantar ou pratos de jantar na mesinha do banho, não se estabelece, necessariamente, devido ao real pendor do reclamante em ser um ente disposto ao fardo da arrumação domiciliar, mas da própria essência de sua bazófia.
É bem verdade que a grande maioria dos chatos da casa é composta pelos mais cartesianos quanto ao dispor pires e xícaras nas cristaleiras. Porém, isso é relativo, pois esse chato de hoje, via de regra, pode não ter sido aquele rebento reconhecido enquanto paradigma para os demais irmãos, pode não ter sido aquele de natural pendor para, por exemplo, esticar o lençol de cama ou para manter asseado o tênis escolar.
Constato que, ao ascender a uma posição na hierarquia, o sujeito aufere a alçada de ajeitar a vida de outrem. Dito isto, não estaria sendo preciso no exame da máxima judicada se também não me analisasse nos instantes nos quais fui ornado de status. Assim, confesso que, na entrada da irmandade mais nova na vida colegial, fui apontado como exemplo de abnegação aos estudos. E, testemunho que nunca corei quando, mais recentemente, na presença da nova e novíssima geração, sou instituído como o paradigma do bom aluno. Elevado à autoridade de prescrever a quantidade de horas, mínimas, que os infantes têm que cumprir e a preceituar a melhor metodologia para a requerida dedicação às disciplinas.
Vejo pais de adolescentes (que conheço desde o tempo de suas respectivas adolescências) parecerem corpos habitados por outra pessoa: não consigo reconhecer aquele inimigo do banho vespertino, não vejo mais aquele guerreiro da bagunça.
Chegam a mim relatos do mesmo fenômeno de metempsicose num mundo diametralmente oposto aos ambientes regidos pelas mãos maternas: a caserna. Inúmeras resenhas de amigos fardados descrevem um tipo de criatura que, no rodízio das funções de comando, quando chega na vez de coordenar ou conduzir um grupo, desintegra sua antiga substância interior e se preenche do mais impoluto e dinâmico espírito obreiro: exemplo de prontidão, quando o ser anterior era pura morosidade; modelo de dedicação, quando o ente precedente era a amostra da inércia.
O fenômeno da elevação no mando também faz antigos parceiros dos bancos escolares não reconhecerem mais aquele exímio gazeador nesse assíduo gerente; a não distinguirem mais aquele atleta da procrastinação nesse apressurado chefe.
Ampliando o raio e o escopo da máxima, sendo o lugar, agora, do tamanho de uma cidade, estado ou país, o exercício da autoridade pode transformar o mais desastroso personagem no arauto da ordem e disciplina. Nesta categoria, acho que ninguém bate Bolsonaro! O comutador de subsequentes matrimônios se passa como pregador do tradicional patriarcado; o reformado por conspirar contra o próprio Exército se farda enquanto o mais verde louro defensor do patriotismo; o decano transeunte de partidos se coloca como o patrono da nova política.
Diante do exposto, dou por sustentado que a verve de demiurgo da ordem alheia não deriva de reais aptidões técnicas; porém, são inerentes à própria natureza desse tipo de exercício de autoridade.
Concordo com quem afirma que Max Weber definia poder como a capacidade de A em fazer com que B faça aquilo que não faria por iniciativa própria. E, aqui, em decorrência dos tipos considerados, atualizamos o grande sociólogo germânico: poder é a capacidade de A em fazer com que B faça aquilo que nem mesmo A faz…
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Foto da Capa: Gerada por IA.