O pessimista chato, o otimista tolo e o realista esperançoso combinaram jantar juntos no dia seguinte ao debate Biden x Trump. Os três votam no Partido Democrata. O otimista foi o primeiro a chegar. Já veio com os sites das agências de checagem de informações abertos na tela do notebook.
O pessimista chegou em seguida e jogou na mesa o New York Times aberto no editorial de Thomas L. Friedman contando que tinha chorado vendo a fragilidade do presidente durante o debate e pedindo que Biden desista da candidatura para evitar a vitória de Trump.
Aí, chegou o realista (ingênuo?) esperançoso. Sorriso aberto, enquanto pendurava o casaco na cadeira, argumentava como quem tinha lido o Friedman na manhã de 28 de junho:
– Well… temos um bom homem, meio fragilizado pelo peso da idade e de décadas de trabalho, fazendo uma boa administração na presidência do país e com vontade de continuar no cargo. Do outro lado, como dizem Friedman e quase a unanimidade dos analistas nacionais e internacionais, temos um mentiroso contumaz, um malicioso que foi um presidente mesquinho tentando voltar ao Salão Oval…
Tentando não, aparteou o pessimista. Do jeito que está o presidente, Trump vai voltar. Biden não está racionando direito, às vezes, não consegue concluir uma frase…
Ora, ora… nada que uns comprimidos de lítio não resolvam, disse o otimista. Viram como ele estava enérgico no comício de hoje em Raleigh e…
O pessimista não deixou o otimista concluir: enérgico, sim, falando alto, mas com a mesma dificuldade de concluir o pensamento, algumas vezes, como acontecera no estúdio da CNN…
O otimista insistiu: well… deixa eu concluir. Falei nos comprimidos de lítio porque lembrei de um político brasileiro que, já septuagenário, acumulava funções de presidente do maior partido do Brasil (MDB), da Câmara dos Deputados e da Assembleia Constituinte. Ulysses Guimarães ficava 10 horas seguidas conduzindo sessões no Congresso brasileiro. Dizem que ele tomava duas pílulas de lítio todos os dias. E, como digestivo depois de jantares num restaurante famoso no Distrito Federal, saboreava algumas doses de Poire… Alguém pode sugerir esse jeito brasileiro ao presidente Biden, não??
O pessimista chato não se entrega: ok… mas e os efeitos colaterais, as contra indicações?? O menos ruim é Biden desistir logo…
Wait, wait, ainda temos cinco meses até a eleição e sete meses de governo. O presidente tem tempo de se recuperar do resultado do debate. Conversar com imigrantes e descendentes de imigrantes, com os latinos e afrodescendentes para mostrar como ele vão sofrer numa administração trumpista. Dá para recuperar o prejuízo.
Já degustando o cheesecake da sobremesa, o realista (ingênuo?) esperançoso, enquanto procura o cartão de crédito, tenta encerrar a conversa:
Calm down guys… look, ninguém discorda de que temos um bom homem que, apesar de algumas fragilidades, administra bem o país e pensa na coletividade tentando se reeleger Presidente da República e que temos, em contraponto, um conhecido mentiroso, mesquinho, que dá pouca, ou nenhuma importância para os princípios democráticos. Então por que, em vez de pedir que Biden desista da candidatura – o que seria quase equivalente a abrir mão de sete meses de governo –, não buscamos uma união nacional em torno dele?
E continuou: uma união para neutralizar as fragilidades que ele eventualmente apresente, uma união para apoiar a equipe de governo e garantir que os secretários trabalhem em favor na nação e não só de interesses setoriais… Afinal, é a sociedade que garante o exercício do poder pelo eleitos…
Nesse ponto, é interrompido pelo pessimista já meio irritado com a argumentação: the check, please, diz ele ao garçom pedindo a conta.
O realista volta: afinal, se Biden desistir da candidatura, estará admitindo como verdade, o que Trump e os trumpistas e os pessimistas dizem dele: que não tem condições de presidir os Estados Unidos.
O pessimista resmungou: com Biden não dá.
O otimista aplaudiu: o povo saberá o que fazer, as mentiras de Trump são escandalosas… é só gente usar as redes sociais e mostrar tudo de ruim que trumpismo vai fazer…
Eu estou com o realista esperançoso. Apesar de ingênua a proposta de união nacional é melhor que a simplista busca de outro candidato. A desistência de Biden seria a admissão da senilidade e o fim antecipado do governo, não?
Mas o pior de tudo é que, no fim das contas, quem vai sair perdendo é o povo norte-americano…
Foto da Capa: Reprodução CNN
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