A reforma ministerial anunciada por Lula (PT) na noite da última quarta-feira (6) motivou críticas diretas e indiretas de aliados e levou ministros a saírem a campo para tentar minimizar as reclamações pelo fato de o presidente ter demitido mais uma mulher e realocado um apoiador de primeira hora para acomodar partidos do Centrão que estiveram com Jair Bolsonaro (PL). O climão pode ser notado no desfile de 7 de setembro na Esplanada dos Ministérios, que contou com a presença de vários ministros.
O saldo das trocas para tentar atrair Republicanos e PP preservou o PT, partido do presidente, e teve a ministra Ana Moser (Esporte) demitida e substituída por um homem. Com isso, Lula perde o recorde de mulheres no primeiro escalão, tão alardeado durante a transição de governo. No começo, eram 11 em 37 pastas. Agora, são 9 em 38. O maior patamar até então era o de Dilma Rousseff (PT), que teve 10 em 37 ministérios.
Além disso, Márcio França (PSB), titular de Portos e Aeroportos, foi deslocado para o novo Ministério das Micro e Pequenas Empresas. Ele resistia à ideia por achar a nova pasta muito pequena. Defendeu turbinar o ministério, o que o Planalto acabou acatando. O PSB, porém, manifesta nos bastidores o discurso de insatisfação e de que está sendo prejudicado apesar de ter sido aliado de primeira hora.
André Fufuca (PP-MA) assumirá o Ministério do Esporte e Silvio Costa Filho (Republicanos-PE), o de Portos e Aeroportos. Há a expectativa de que o PP também receba o comando da Caixa Econômica Federal. Essa troca deve ser oficializada num segundo momento. A atual presidente da Caixa, Rita Serrano, foi indicada por quadros do PT. O maior risco corrido pelo PT no primeiro escalão foi em relação ao Ministério do Desenvolvimento Social, chefiado por Wellington Dias.
O PP fez uma ofensiva para assumir a pasta e, em determinado momento, as conversas chegaram a envolver um possível fatiamento do ministério. Por esse cenário, o Centrão poderia indicar o ministro, mas o Bolsa Família seria retirado da estrutura para permanecer sob a tutela de um petista. O PT reagiu e o Planalto recuou. A avaliação foi a de que a pasta era muito central para o governo. Enquanto Dias sofria um processo de fritura, a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, chegou a dizer que o Desenvolvimento Social era o “coração do governo”.
Há outros 11 petistas na Esplanada. Apesar do rearranjo ministerial, ainda é incerto o grau de apoio que PP e Republicanos darão ao governo no Congresso. O PP é presidido por um dos principais críticos a Lula no momento, o senador e ex-ministro de Bolsonaro Ciro Nogueira (PI). Ligado à Igreja Universal do Reino de Deus, o partido de Nogueira esteve fortemente vinculado a Bolsonaro e até hoje mantém em seus quadros, por exemplos, os senadores bolsonaristas Hamilton Mourão (Republicanos-RS), Damares Alves (DF) e Cleitinho (MG).
A aliança também abriga o governador e ex-ministro de Bolsonaro Tarcísio de Freitas, cotado para ser adversário de Lula na eleição de 2026. Tendo sido realocado para dar abrigo ao Republicanos, o ministro Márcio França falou sobre isso após o desfile de 7 de setembro, ocasião em que ficou relativamente distante de Lula e dos demais colegas de governo. Ele disse que postagem que fez nas redes sociais – “Saúdo o @LulaOficial por trazer p/ o Gov @tarcisiogdf e seu partido p/ nos apoiar” – não era uma ironia, mas um chamado à responsabilidade do governador por agora seu partido ser da base do governo Lula.
Após ser demitida, Ana Moser citou publicamente sua “tristeza e consternação” pela perda do cargo, tendo recebido o apoio de atletas, de entidades esportivas e inclusive de Janja. Moser sequer recebeu uma explicação pública sobre sua demissão, o que ocorre como praxe. Apenas o ministro Alexandre Padilha tentou dar uma explicação um pouco sem sentido na televisão. Saiu pior.
“Eu também não estou feliz”, escreveu a primeira-dama em rede social, ao comentar a publicação de um usuário que lamentava a saída de Ana Moser. A agora ex-ministra não tinha ligações políticas. Ela é ex-jogadora de vôlei e medalhista olímpica. Além disso, tem um histórico de dedicação a projetos de gestão e a políticas públicas na área. Sua nomeação contou com apoio de ONGs, atletas e também de confederações esportivas. Ela fez parte de um grupo de atletas que durante a campanha atuou pela eleição do petista. Na transição, participou do grupo de trabalho do tema.
Ministros de Lula buscaram minimizar as insatisfações com a tentativa de atração de Republicanos e PP, o que é essencial para Lula ter uma margem de apoio confortável no Congresso. Alexandre Padilha (Relações Institucionais) disse nesta quinta que a reforma ministerial para abrir espaço no governo Lula ao Centrão é uma forma de “valorização da política”. Padilha minimizou a ausência de Lula na foto que oficializou a entrada de André Fufuca e Silvio Costa Filho no governo.
Ele e o ministro Paulo Pimenta (Comunicação Social) também negaram mal-estar com as trocas ministeriais e o fato de Ana Moser não ter sido mencionada na nota da Presidência que comunicou as mudanças. Padilha também relativizou o fato de PP e Republicanos seguirem com discurso de que são independentes do governo apesar de terem assumido ministérios na Esplanada. Ele afirmou que as nomeações devem melhorar a relação com as bancadas das siglas na Câmara.
O ministro não comentou a participação ativa das legendas no governo Bolsonaro, cuja pregação golpista a atual gestão costuma ressaltar. Ele preferiu dizer que ambos os partidos criticaram os atos de vandalismo de 8 de janeiro por parte de bolsonaristas. “Compromisso que tivemos é que aquilo que a bancada já vem garantindo de aprovação dos projetos fundamentais, permitindo retomar o crescimento econômico, a recriação de programa sociais e rechaçar o golpismo de 8 de janeiro continue”, disse.
Padilha também afirmou que Lula agradeceu pessoalmente a Ana Moser pela participação no governo, apesar de na nota oficial do governo que comunicou a troca não constar um tópico nesse sentido. Disse, ainda, que a “grande manifestação de carinho, afeto e compromisso” é que o novo ministro, indicado pelo centrão, seguirá a política pública de esporte prometida por Lula na campanha e durante o começo do governo. “O último período em que se tentou criminalizar ou desvalorizar a política levou à aventura golpista de 8 de janeiro. Então, esse desfecho valoriza a política”, completou. Pimenta, por sua vez, evitou responder sobre eventual mal-estar criado com Ana Moser e Márcio França.
STF aceita pedido de delação de Mauro Cid
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes homologou neste sábado (9) o acordo de colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O ministro também concedeu liberdade provisória a Cid, com cumprimento de medidas cautelares, como uso de tornozeleira eletrônica, limitação de sair de casa aos fins de semana e também à noite, e afastamento das funções no Exército. O ex-auxiliar foi posto em liberdade por volta das 15 horas de sábado
A homologação ocorre após o acordo de colaboração fechado com a Polícia Federal. A delação refere-se ao inquérito das milícias digitais e a todas as investigações conexas. No inquérito das milícias digitais, a PF apura a existência de uma organização criminosa que teria a finalidade de atentar contra o Estado Democrático de Direito. Mauro Cid entregou ao Supremo Tribunal Federal um termo de intenção de delação premiada. Antes, a Polícia Federal aceitou a proposta do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro em colaborar com informações nos casos em que o militar é suspeito
Moraes também determinou o afastamento de Cid do cargo de oficial do Exército e mandou suspender o porte de arma do ex-auxiliar de Bolsonaro. Além disso, vetou o uso de redes sociais e o proibiu de sair do país. Também o obrigou a se apresentar à Justiça num prazo de 48 horas e, depois, comparecer semanalmente, às segundas-feiras.
Na decisão, o ministro afirmou que no atual momento das investigações não é mais necessário manter Cid preso. Ele estava desde 3 de maio sob custódia em uma unidade militar em Brasília.
“O encerramento de inúmeras diligências pela PF e a oitiva do investigado, por três vezes e após ser decretada sua incomunicabilidade com os demais investigados, apontam a desnecessidade da manutenção da prisão preventiva”, escreveu Moraes.
A partir do pedido de Cid e da aceitação da PF, o Ministério Público Federal ainda precisa dar as condições para o acordo ser firmado. Isso depende das informações que Cid está disposto a revelar. A intenção de Cid em fazer um acordo de delação já vinha sendo discutida nos depoimentos à PF que ele prestou nas últimas semanas. Após ficar calado nas primeiras conversas com a polícia e na CPI dos 8 de Janeiro, em 28 de agosto, o militar depôs durante 10 horas sobre o caso de invasão do sistema do Conselho Nacional de Justiça, suspeito de ser orquestrado por bolsonaristas, com objetivo de colocar em xeque o sistema judiciário brasileiro.
Em 31 de agosto, data em que a PF ouviu oito envolvidos no caso que apura suspeitas de desvio, venda, recompra e devolução de joias recebidas de presente por Bolsonaro quando era presidente, o militar também permaneceu por horas no depoimento. Anteriormente, em 17 de agosto, a revista Veja publicou notícia na qual dizia que Mauro Cid iria confessar e apontar Bolsonaro como mandante do desvio e venda das joias. Depois, sua defesa (que já foi trocada três vezes) apresentou versões contraditórias, declarando que o militar iria assumir toda a responsabilidade pelos casos nos quais ele e Jair Bolsonaro são investigados.
Cid foi preso em maio, na operação que apura as suspeitas de fraudes em cartões de vacinação contra covid-19 do militar e seus familiares e de Jair Bolsonaro e sua filha. O nome do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro também aparece nas investigações que apuram a venda ilegal de joias presenteadas ao ex-presidente e em tramas golpistas para que o político do PL continuasse no poder, mesmo perdendo as eleições presidenciais.
Passo a passo da delação
A autoridade se reúne com o colaborador para coletar depoimentos, que servem para avaliar se os elementos trazidos serão suficientes para selar um acordo. A jurisprudência brasileira estabeleceu que a palavra oral não é uma prova suficiente, nem mesmo para oferecer uma denúncia a um juiz ou a um tribunal, no caso de quem possui foro.
O colaborador precisa apresentar elementos de corroboração externos para comprovar seu testemunho, como extratos, fatura de cartão crédito, passagens, recibos, mensagens e demais dados que ajudem a comprovar seu testemunho. A falta desses elementos derrubou, nos últimos anos, denúncias que tinham sido apresentadas no âmbito da Operação Lava Jato, investigação que mais usou esse tipo de compromisso. Cid participou das oitivas.
PF e MPF avaliam colaboração
A terceira etapa é a decisão institucional sobre a utilidade das declarações do colaborador. De acordo com a Lei 12.850, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, cabe à PF ou ao MPF avaliar se há interesse no acordo a partir do testemunho e das provas apresentadas.
Caso haja interesse, o caso é formalizado e avança. Caso não haja, as informações prestadas não poderão ser usadas em hipótese alguma na investigação. Em relação a Cid, a participação é da polícia, que indiciou disposição em seguir com o acordo.
Segundo o advogado criminalista Bruno Salles, o MPF sempre contestou se a polícia teria essa capacidade, mas desde 2018 a PF tem autonomia para celebrar esses acordos, conforme decisão do STF. “No limite, quem irá propor a ação penal ao fim do processo é o MPF, que usa os elementos de prova”, diz.
Negociação de benefícios
Paralelo a isso, as autoridades negociam benefícios ao colaborador. A Lei 12.850 determina como possíveis vantagens a diminuição da pena em dois terços ou até pela imunidade.
Durante a Lava Jato, a força-tarefa de Curitiba passou a fazer as chamadas sanções atípicas, que são negociações que extrapolam as duas definidas em lei. O Pacote Anticrime vetou essas sanções, tais como prisão domiciliar, mas no ano passado, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) determinou em ação que elas podem ser aplicadas, de acordo com Salles.
As ações penais atípicas preveem mais flexibilidade no tempo de prisão e diferenciações para o regime de cumprimento da pena, que pode se tornar mais branda e vantajosa ao colaborador.
“Quanto maior, mais importante for a delação do ponto de vista do desvendamento do crime, maior é a redução da pena, até chegar no limite da imunidade penal”, afirma Toron.
Definida a vantagem e a multa indenizatória à União, o caso vai para a homologação.
Homologação
Sem considerar o mérito da delação, seu conteúdo, o juiz decidem se o caso cumpre os requisitos legais.
“Na homologação, a autoridade judicial não faz juízo de valor, não define se a prova é boa ou não. O juiz simplesmente verifica se a colaboração cumpre os requisitos legais. Se tudo estiver de acordo com a lei, ele homologa a colaboração e, só a partir daí, ela tem efeito”, diz Helena Regina Lobo da Costa, professora de direito penal da USP.
Na Lava Jato, nas situações que envolviam autoridades com foro especial, a homologação ocorreu diretamente no Supremo. No caso de Cid, hoje preso por ordem da corte, a proposta foi apresentada ao gabinete de Alexandre de Moraes, que aceitou os termos no último sábado.
Acordo passa a ter efeito
Após a homologação, a autoridade fatia o caso em diferentes instâncias e localidades para investigação. A polícia investiga a cadeia criminosa e o MPF, ao fim, pode propor denúncias contra os investigados, arquivar o caso ou pedir novas investigações.
Em sua decisão, o ministro Alexandre de Moraes determinou a liberdade provisória com medidas restritivas, tais como o cancelamento de passaportes e de documentos que comprovem porte de arma, além da proibição de se comunicar com outros investigados.
A decisão determina que o tenente-coronel seja afastado das suas funções do Exército e só possa conversar com sua mulher, Gabriela Cid, sua filha, Beatriz Cid, e seu pai, Mauro Cid.
Foto da Capa: Agência Brasil