Essa semana procurei uma das grandes líderes nas Ilhas de Porto Alegre para ofertar um projeto voltado para pessoas idosas, com a finalidade de fomentar o bem-estar e a geração de trabalho, numa das regiões de mais baixo IDH (índice de desenvolvimento humano) da nossa Capital. Qual foi minha surpresa quando ela me agradeceu e me respondeu que não seria possível, pois desde as enchentes as pessoas idosas ainda não haviam retornado para lá. Seja porque suas casas estavam (semi) destruídas, ou porque a região ainda estava sem condições de estar habitada por falta de estrutura, ou até porque teriam falecido em em razão de doenças que já tinham, mas foram tornadas mais agudas a partir das inundações e da saída de suas casas.
A enchente continua
Essa situação me fez sentir o quanto estamos vivenciando, agora e não sei por quanto tempo, ainda os impactos das enchentes, e perceber que a Capital está sendo um laboratório vivo de tudo o que por anos ouvimos e lemos a respeito do que iria ocorrer a respeito das mudanças climáticas.
Ir além da superfície
No nosso dia a dia de excesso de informação e redes sociais, as palavras se normalizam antes mesmo de a gente compreender seu sentido e se aprofundar sobre elas. Na pressa de saber sobre o fato, a notícia, percebo que nem sempre conseguimos ter a compreensão do todo por conta da falta de entendimento a respeito dos conceitos que nos são apresentados. Por inércia, pois o ser humano é por princípio preguiçoso, ficamos esperando que o algoritmo nos mande pelo feed a explicação a respeito, sem correr atrás.
Sinto na sociedade essa inércia quando falamos sobre o clima, ecologia, natureza, animais, plantas, flora, fauna e a raça humana. Afinal, é sobre o equilíbrio de tudo isso sobre o Planeta que cientistas, estudiosos e jornalistas tratam a respeito ao citar conceitos como Mudanças Climáticas, Estado de Emergência Climática, Justiça Climática, Gerações Futuras. Confesso que venci a minha preguiça e fui atrás desses significados. Caso você, como eu, também queira conhecê-los, sugiro que dê uma paradinha no texto agora e clique nos links direcionando para os conceitos, que estão ali acima.
O sofrimento é geral, mas é pior para muitos
Escrito tudo isso, relembro a você a história contada acima sobre as dificuldades enfrentadas pela população de pessoas idosas das ilhas de Porto Alegre: elas continuam longe das suas casas e, algumas, até já morreram. Trago também a experiência que tive no Abrigo Emergencial 60+, onde fui uma das coordenadoras, quando cuidamos de pessoas idosas vítimas das enchentes. As pessoas vieram de regiões alagadas, a maioria mulher, vulneráveis. Nele acolhemos e encaminhamos 61 pessoas, destas 42 para suas casas ou de familiares. E elas estavam em bairros atingidos que, se medidas não forem tomadas, num próximo evento extremo, serão novamente atingidos.
Aqui no Rio Grande do Sul, a gente viveu entre final de abril e maio o evento das enchentes. Atualmente, muitos estados brasileiros vivem as queimadas. Os efeitos estão se fazendo sentir em todo o país. Em entrevista dada para Intercept_brasil, Paulo Saldiva afirmou que “os mais frágeis morrerão primeiro”. Ele é pesquisador, médico patologista e professor da Faculdade de Medicina da USP, membro de dois comitês da Organização Mundial de Saúde. Um dos comitês estabeleceu os padrões de qualidade do ar e o outro definiu o potencial da poluição atmosférica de causar câncer, pois “as consequências disso (as queimadas) são o aumento nos casos de influenza, gripe e pneumonia. Pessoas que já têm doenças pulmonares, como asma, vão passar por dificuldades maiores. Bebês de até dois anos e pessoas idosas também estão entre os grupos mais vulneráveis, assim como os mais pobres, que ficam mais tempo expostos ao ar poluído, devido aos longos deslocamentos em transportes públicos.”
E todo esse sofrimento é resultado do quê? Da desigualdade com que a crise climática atinge a população. Enquanto durante as enchentes convivi apenas com alguns dias de falta de água e energia, há milhares de pessoas que até hoje não puderam voltar para casa (para aquelas que sobrou casa) ou que continuam lidando com doenças. Assim como acontecem desigualdades entre pessoas em um mesmo país, estado, região e cidade, também ocorre entre os países. Países mais ricos contribuíram mais para a criação da grandeza dessa mudança climática, enquanto os mais pobres são os que mais sofrem com os prejuízos. Buscar um equilíbrio, igualdade de condições e compensações é o que chamamos de Justiça Climática. No mundo, 70% das emissões de gases de efeito estufa vêm de apenas 10 países, incluindo o Brasil, impactando os demais 183.
Tsunami Prateado
No Rio Grande do Sul, vivemos a realidade de possuir uma população de pessoas idosas maior do que a de adolescentes, onde a cada cinco pessoas, uma delas é maior do que 60 anos. De acordo com o Censo Demográfico 2022, o Brasil tinha 32.113.490 pessoas com 60 anos ou mais, o que representa 15,6% da população total. A previsão para 2070 é a de que teremos mais de 30% da população acima dos 60 anos até lá. Essa transformação da nossa pirâmide demográfica foi nomeada de Tsunami Prateado por José Eustáquio Diniz Alves, sociólogo, doutor em demografia e pesquisador aposentado do IBGE, que foi entrevistado pelo podcast O Assunto, apresentado pela jornalista Natuza Nery. Recomendo a escuta porque fala do potencial do segundo bônus demográfico para transformar o país a partir da Economia Prateada. Ele traz estudos sobre a possibilidade de “ainda podermos nos tornar um Portugal ou uma Espanha”, pois já perdemos a chance de sermos uma “Alemanha” quando deixamos o primeiro bônus passar.
O que o saco tem a ver com a mala?
Se chegou até aqui, você pode estar se perguntando o que esta mulher louca está fazendo… começou escrevendo sobre uma história sobre a enchente, mudanças climáticas, justiça climática e, daí, fala em tsunami prateado? O que uma coisa tem a ver com a outra?
Pois tudo isso tem a ver com as nossas gerações futuras. Quem você acha que estará vivendo com 60+ em 2070? Você? Sinto muito te dizer, mas provavelmente não. Serão teus filhos e filhas, netos e netas, sobrinhos e sobrinhas, filhos e filhas de amigos e amigas. E de todas as gerações que virão a seguir.
Economia x Ecologia
Encontro em muitos lugares essa fala, mais ou menos explícita: cuidar da natureza e proteger o meio ambiente das mudanças climáticas vai contra os interesses de crescimento econômico. Penso que essa é uma afirmação falaciosa, ou seja, um raciocínio que simula uma verdade. Sabe por quê?
- Verifica os milhões que gastamos em saúde para atender cada vez que há (ou haverá) uma calamidade.
- Olha os milhões que gasta(re)mos para reconstruir escolas, postos de saúde, habitações, espaços públicos destruídos.
- Checa os milhões de concessões de empréstimos para pequenas, médias e grandes empresas se reerguerem.
- Confere os milhões gastos nos resgates e auxílios imediatos para atendimentos de pessoas e animais nas calamidades.
- Isso são apenas algumas das despesas necessárias. Com certeza, aqui faltam outras tantas, que você pode ter pensado aí.
E aí, te pergunto… fez o cálculo? Sai caro, né? Na ordem de bilhões de gastos. Pensa que esses eventos se tornarão cada vez mais constantes e violentos. Vale a pena, economicamente falando?
Por isso, acredito que se pensarmos em economia limpa, em mitigação dos danos climáticos causados e aproveitarmos aquele segundo bônus demográfico seriamente, ganharemos mais como país e como povo. Ah, dá mais trabalho. Lembra que falei que o ser humano é por princípio preguiçoso? A neurociência explica. A gente, depois que aprende um “caminho” cerebral, gosta de seguir fazendo a mesma coisa do mesmo jeito. Mas tá na hora de mudar.
O mundo seguirá. Com qual tipo de vida sobre ele, não sei ainda. Sei que precisamos cuidar do Planeta porque dele preservado, depende a vida humana. Eu tenho muito mais perguntas do que respostas para dar. Mas ando muito preocupada. Pensar em longevidade sem pensar em um Planeta e um país para todos viverem, adianta?
Foto da Capa: Freepik
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