Os padrões de beleza vão mudando conforme os tempos e a cultura. Já tivemos os tempos em que as mulheres mais ou menos encorpadas eram as mais desejadas, as morenas ou loiras, as de cabelo longo ou curto… Clique aqui e assista um vídeo curtinho produzido pela BuzzFeed que retrata essa mudança desde o Egito Antigo até os dias atuais.
Nesse sentido, não tenho muita saudade dos meus tempos de juventude. Lembro das muitas dietas: a do dr. Atkins, a da proteína, a que cortava amidos, sem falar dos medicamentos que tomei ainda adolescente! E as constantes críticas da mãe pra eu manter o peso, o que fez me acreditar insuficiente por muito tempo na vida.
E nós mulheres guiamos um bocado da nossa vida para perseguir esse padrão em parte porque almejamos ser escolhidas pelo homem de nossa vida. E conforme vamos nos distanciando deste padrão, nosso lugar na “prateleira” vai se distanciando do lugar mais valorizado, indo para espaços mais ao fundo e com chances mais baixas de sermos escolhidas. E, independente de lugar social e econômico que a gente ocupe, sonhamos com o “príncipe encantado”, a relação romântica, e quando numa relação – mesmo que abusiva – não só temos dificuldade de sair, como somos a cuidadora daquele parceiro. Para você que se sentiu mexida a respeito, sugiro que leia sobre a Prateleira do Amor, conceito criado pela Valeska Zanello, pesquisadora na área de Saúde Mental e Gênero, Professora no Departamento de Psicologia Clínica na Universidade de Brasília, apresentado no livro que recomendo muito. Aqui tá o link dele para compra. Mas na internet você encontrará muitas referências a respeito.
Levei um susto quando descobri que meu casamento de muitos anos reproduzia os mesmos padrões do tradicional casamento dos meus pais! Quando vi, estava eu, ali arrumando as roupas da mala do marido, servindo o prato dele na mesa, reservando as melhores partes do alimento… E aí, haja terapia para entender que uma coisa é fazer isso de maneira consciente, porque quisesse e tinha vontade, e outra realizar da maneira como eu estava fazendo, sem pensar, robotizada. Logo eu, que me achava tão moderna, independente, feminista… ah, os tais padrões aprendidos na infância.
Um fator que atinge a todos, mas especialmente as mulheres, é a supervalorização da juventude, ou a chamada cultura jovencêntrica. Em entrevista para Marie Claire, Gisela Castro, docente e pesquisadora do Mestrado e doutorado em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM, em São Paulo, esclarece que jovencentrismo é “um imperativo social que faz com que você precise se manter jovem, aparentar assim em qualquer idade. De modo que o “velho certo”, o “velho correto”, é o que se apresenta assim. Então, a gente vê nas reportagens os velhos superlativos, aqueles que pulam de paraquedas aos 90 anos, fazem tatuagem aos 80, sabe? Claro que isso existe, mas não é uma receita de bolo e nem sempre foi assim. O historiador Nicolau Sevcenko nos mostra que lá no século XIX o chique era parecer uma senhora, um senhor. Os homens usavam tintura nas têmporas para parecerem grisalhos, mais respeitáveis. Já as mocinhas que se casavam vestiam-se de uma forma senhoril, porque isso significava mais respeito e dignidade. Isso era antes dessa ênfase no jovencentrismo, que tem muito a ver com a pressão e a presença da indústria antienvelhecimento. Ela é poderosíssima e multimilionária”.
Por volta dos 45 anos tive a minha “grande crise”. Enxerguei meu envelhecimento. Minhas rugas, meu peito caindo, minhas manchas no rosto e no corpo, meus quilos extras com o climatério (a fase pré-menopausa). Não era mais a mulher troféu que até então tinha sido. O que eu era então? O que eu queria ser?
Nesse caldo, onde falamos sobre gênero e jovencentrismo, acrescenta-se o Idadismo (ou etarismo e ageísmo, são palavras sinônimas). Uma terceira camada discriminatória que recai, mais uma vez, em especial, sobre a mulher. Para o homem, o cabelo grisalho é sinônimo de experiência, a barriga é fortuna, a careca é inteligência. E para a mulher? A mulher socialmente envelhece mais cedo do que o homem. E aí é que me refiro.
Atualmente, mulheres cada vez mais jovens estão insatisfeitas com seus corpos, procurando por tratamentos, cremes e procedimentos estéticos. Me diz: de que maneira uma mulher em seus 20/30 anos precisaria de qualquer tipo de procedimento para a pele ou para aperfeiçoar um corpo em sua plenitude? O medo do envelhecimento já está implantado desde os filtros das redes sociais. Até adolescentes já estão indo em busca de tratamentos antienvelhecimento e reparatórios. E isso fez antecipar o sentimento de envelhecimento. Pois, se isso acontecia a partir dos 30/40 anos, agora as mulheres estão se sentindo velhas cada vez mais cedo.
Recentemente, assisti a um reels no Instagram da grande atriz Marieta Severo. Nele, ela questiona esse comportamento de meninas de 20 anos que já estão preocupadas com rugas, que talvez venham a ter, e o quanto isso é cruel e sofrido para elas. No vídeo, ela conta que a curiosidade e a vontade de aprender é o que a move e que acredita que pessoas, em qualquer idade, que não tenham essas chamas acesas, estão acabadas. Para ela, o que importa não são as rugas mas os neurônios em funcionamento. Compartilho em 100% com a opinião dela.
Depois da minha “grande crise”, estou agora com 56 anos e a consciência de que tenho muito tempo pela frente, me sinto livre e aliviada. Feliz porque estou envelhecendo. Fui “rebaixada” na tal prateleira, sim. Não sou e não quero ser mulher troféu. A beleza padrão que uma vez eu tive ofuscava o que eu tenho de mais bonito, meus projetos, meu propósito, minhas ideias, minha essência. Acolho e agradeço minhas rugas, cabelos brancos, quilos extras, e tudo o mais que o envelhecimento me trouxe e me trará. Eles contam a minha história.
E, como escreveu a Mírian Goldenberg no livro Liberdade, Felicidade & Foda-se, colunista da Folha de São Paulo e professora titular do Departamento de Antropologia Cultural e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, “as pessoas que eu acho mais bonitas, e mais felizes, são justamente aquelas que estão completamente fora dos padrões de beleza e juventude. Apesar do medo de envelhecer, decidi investir o meu tempo, dinheiro e energia nos meus projetos de vida, e não sofrer com as transformações inevitáveis do meu corpo. Se eu acredito que é possível inventar uma bela velhice, por que faria uma cirurgia plástica para fingir que sou mais jovem?”.
E que venha 2024, repleto de coisas a serem aprendidas. Estou cheia de curiosidade para saber o que vem pela frente! Feliz Ano Novo!