A experiência clínica sugere que meu texto de estreia fale sobre questionamentos. Todos os dias há necessidade de abordar esta questão para que se abram possibilidades terapêuticas e muitas certezas trazem rigidez de pensamento e, por consequência, sofrimento. Quando falo de sofrimento, são pequenas angústias e tristezas causadas por seguir uma linha cega e não o sofrimento de novela, naquela clássica cena da mocinha escorregando pela parede aos prantos.
É vida real.
Afinal, o que é questionar? É a arte de pensar ou de assimilar opiniões ou ações fora do seu padrão de pensamento. Um tanto complexo, visto que um comportamento e as sensações que ele provoca formam a famosa zona de conforto.
Somos indivíduos que fazem parte de um grande grupo social que necessita de pessoas que não possuem o hábito de questionar, a fim de manter padrões. No entanto, valoriza quem pensa diferente para fomentar o mercado técnico, que gera e detém riqueza. Parece contraditório, mas não é, essa dinâmica é o mais “puro suco” do capitalismo.
Neste contexto fica o questionamento. Enquanto indivíduo, você traz contribuições à sociedade no modo operacional, técnico ou emocional? Qual o seu lugar na pirâmide? E o lugar do outro?
Quando nos são apresentadas situações de racismo, machismo, xenofobia e tantas outras questões pertinentes na sociedade desprivilegiada, a grande maioria tende a pensar dentro de sua zona de conforto. Afinal é apenas um “mimimi” ou faz parte do “politicamente correto”. Quando acontecimentos assim confrontam privilégios, a tendência é retroceder e continuar na mesma linha de pensamento, com o intuito da preservação da espécie.
Existem duas expressões que gosto muito: responsabilidade afetiva e responsabilidade social. Convido a todos a pensarem sobre estes conceitos amplos, que falam do outro próximo e do outro relativo. Você está satisfeito com o que faz e suas responsabilidades individuais?
Somos parte de grupos constituídos por sujeitos pensantes e o que será dele é de responsabilidade de cada um, uma vez que nossas atitudes formam ao lado de outras pessoas a sociedade propriamente dita. Sem romantização, devemos nos questionar se nossas ações e opiniões constituem um grupo que promove a manutenção do que está posto ou são capazes de abrir espaço para novas perspectivas de vida que vão além de referências pessoais.
Esta reflexão muito me agrada, pois fomenta o pensar além das fronteiras da razão, sentimento, interesses pessoais, do sentido da vida e muitos outros atravessamentos possíveis aos seres humanos. Além de ser saudável e desafiador também.
Convido a todos a colocarem as certezas na mesa e praticar a arte de duvidar. Este comportamento reforçará suas referências e será capaz de construir novas formas de pensar. Vamos juntos?
Jennifer Cereja é mãe, ativista, psicóloga e palestrante. Trabalha em consultório, apaixonada pela clínica e os atravessamentos que a prática proporciona. As escrevivências, como diz Conceição Evaristo, tem o olhar afrocentrado sempre considerando o indivíduo como protagonista de sua história.