No passado, as famílias eram horizontais, grandes, moravam próximas uma das outras, quando não todas na mesma casa. Nelas existia um senso de dever e uma hierarquia muito forte. Simplesmente se sabia que filhos e netos “tinham que” cuidar dos mais velhos. E, claro, esse trabalho de cuidado era feito pelas mulheres: mães, esposas, filhas, noras.
As famílias mudaram
No decorrer do tempo, as famílias foram se tornando cada vez mais verticais, pequenas e muitas vezes, com seus núcleos morando em locais diferentes, distanciando-se. Com diferentes configurações, novos casamentos, onde casais possuem os meus, teus, nossos filhos. E também quem escolhesse não ter filhos. O que pode fragilizar laços. E, ao longo desse tempo, a mulher saiu para o mercado de trabalho, e aqui não cabe aprofundar as razões, mas entender o novo contexto familiar e que ela se manteve a principal responsável pelo cuidado, gerando um estresse ainda maior para a mulher do que para os demais membros da família.
Pais idosos, adoecidos, sobrecarregam quem cuida
Quando minha mãe adoeceu, não houve dúvidas de que meus irmãos e eu nos revezaríamos em seus cuidados. E assim foi até o seu final. Somos entre quatro irmãos. E se incluirmos aí noras, genros e netas, já tínhamos um grupo considerável de cuidado. Mesmo assim, sobrecarregou. A administração de equipe de saúde, consultas, exames, humores, e ainda a gestão financeira e da rotina da casa, que com o tempo a mãe não conseguia mais fazer. O meu sentimento de impotência frente à finitude dela e o meu próprio, ao sofrimento que enxergava nela e que não conseguia resolver, os conflitos que carregamos ao longo da vida como mãe e filha, e que parecia que não teríamos tempo de esclarecer. Tudo isso embolava no coração. E isso que estamos tratando de uma família de um nível sócioeconômico confortável, considerando os padrões brasileiros.
Nos tempos atuais, conversando com filhos e filhas cuidadoras de pais idosos, observo a angústia daquela carga de trabalho e do estresse do cuidado que senti. E percebo pairar o sentimento de culpa de achar que não estão cuidando suficientemente bem de seus pais, mesmo que estejam fazendo o seu melhor, precisando de descanso sem ter para quem pedir ombro.
Institucionalização é caminho?
Uma das questões que atravessaram o cuidado da mãe foi a possibilidade de encaminhamento dela para uma instituição para idosos, na medida que ela foi ficando cada vez mais dependente, ao ponto de nos seus dois últimos anos ter ficado acamada. Mas, como ela era altamente autônoma, dona de seus quereres, quis permanecer morando em sua casa. Admitiu cuidadoras quando já não tinha mais escolha. Essa decisão dela de permanecer em casa foi muito difícil de eu aceitar. Acamada, parecia que ela não estava sendo cuidada o bastante, que por mais que fizéssemos ela estaria em risco. No nosso caso, ela tinha meios para pagar a equipe e plano de saúde para atendê-la. Ainda bem! Mas quantos, no Brasil de hoje, podem?
Precisamos enfrentar o preconceito
Refletindo sobre a decisão da mãe, penso que isso advém de uma cultura que persiste em muitas pessoas da nossa geração, adquirida com nossos pais e dos pais dela, que não atualizaram o “software” com relação ao que significa cuidado e o que é uma instituição para pessoas idosas. Para muitos, ainda significa abandono estar numa instituição dessas. Há muito preconceito e pouca informação. Precisamos falar sobre isso.
Ainda vejo mulheres e homens falando que “fulano/a deveria ter tido filho/a para cuidá-lo/a na velhice” e acho isso perigosíssimo!
No campo pessoal, percebo os seguintes fatores: primeiro, a gente precisa tomar para si a responsabilidade pela própria vida, do início ao fim. Segundo, filho ou filha se cria para o mundo, e não como poupança para velhice. Terceiro, acredito que nossas relações precisam ser tecidas com amor ao longo da vida com as pessoas, e assim acontece com nossos filhos, porém, até mesmo nesses casos, nem sempre acontece a retribuição esperada. É a vida acontecendo.
Nessa afirmação, outra confusão que percebo é que há nela um entendimento de que o problema do cuidado na velhice fica apenas no âmbito familiar, dos filhos, eximindo o coletivo e o Poder Público de cumprir o seu papel. E isso não é possível, especialmente no contexto familiar atual, acima detalhado. O Estado precisa cumprir seu papel.
O problema é meu, é teu e é do Estado também
Japão e Espanha, por exemplo, têm políticas e iniciativas públicas interessantes com relação a oferta de moradia para seus idosos. No Brasil, a despeito do já sabido envelhecimento da população e da necessidade de políticas e de estrutura que é e será necessária para o suporte desse crescimento, ao contrário das informações sobre vagas em unidades de internação ou número de consultas na atenção primária na área da saúde, não há fontes de dados oficiais e comparáveis que possam informar as políticas regionais ou nacionais referentes às Instituições de Longa Permanência para Idosos – ILPIs. O país carece de informações básicas sobre estas instituições, por exemplo: quantas são; onde estão localizadas; qual a sua natureza jurídica; que serviços e atividades oferecem aos residentes. Os sistemas de Saúde e de Assistência Social tampouco dispõem de informações sistematizadas e compartilhadas sobre a população assistida.
As Instituições de Longa Permanência para Idosos – ILPI desempenham um papel essencial na sociedade, e espera-se que a demanda por vagas nessas instituições aumente cada vez mais. No entanto, no Brasil, embora elas façam parte da rede de assistência social, elas geralmente não são criadas por políticas públicas de cuidado de longa duração, mas sim por demandas da comunidade, muitas vezes à margem de fiscalização. Isso evidencia a falta de uma política de cuidado no país, em específico para pessoa idosa, onde a maioria da população envelhecida é vulnerável, de baixa renda, convivendo com uma ou mais doenças concomitantemente. E aí entra o dilema de famílias exaustas, em especial as suas mulheres, sobrecarregadas, em duplas e triplas jornadas de trabalho para dar conta do cuidado.
A Academia produziu dois censos a respeito das Instituições de Longa Permanência – ILPIs, recomendo a leitura deste documento da FIOCRUZ que apresenta o comparativo entre eles. O censo mais recente foi realizado pela Frente Nacional de Fortalecimento das ILPIs, em 2021.
O que é uma instituição para idosos?
No Brasil, as instituições de longa permanência para idosos – ILPIs – estão disponíveis para uma pequena e endinheirada parcela da população na sua grande maioria, constituindo mais uma triste faceta da nossa desigualdade do nosso país. Em pesquisa feita em 18 países em busca de uma definição internacional a respeito do que é uma “nursing homes”, não se encontrou uma definição única. Existem diversos e variados modelos de moradia. Concluiu-se que se tratava de uma residência coletiva, que oferece cuidados 24 horas por dia para pessoas com necessidades de saúde e que requerem ajuda para as atividades da vida diária (AVD). Em 37% dos países pesquisados, embora não sejam uma enfermaria, médicos visitam as instituições, que podem contar ou não com profissionais da área de saúde e oferecer ou não cuidados paliativos e terminais. Também oferecem cuidados de longa duração e/ou reabilitação para evitar internações hospitalares e facilitar altas, funcionando como cuidados de transição.
Como escolher um novo endereço
Se você já ultrapassou os preconceitos, tem melhores condições financeiras que a maioria da população brasileira, e está em busca de um espaço seguro para seu/sua familiar idoso/a, recomendo a leitura do e-book Mudando de Endereço, como escolher um residencial geriátrico, da Dra. Michelle Bertoglio Clos. Vale muito a pena as orientações nele contidas sobre quando é a hora certa de buscar um espaço desse tipo, as recomendações sobre o que observar numa instituição de longa permanência, como preparar a pessoa para a mudança, entre outras informações importantes.
Também sugiro que leia esse e-book na perspectiva de se enxergar e planejar o seu futuro. Assim, você estará exercendo seu protagonismo na escolha sobre como deseja ser cuidado/a ao envelhecer, em vez de deixar que façam por você.
Foto da Capa: Freepik
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