Quem nunca teve dias em que nada parecia fazer sentido ou que a vontade maior era de sair correndo que pare de mentir. Buracos existenciais existem, e a gente volta e meia se vê enfiado em um deles. Na fixação da “busca pela nossa melhor versão”, tão apreciada pelos motivadores das redes sociais, esquecemos que a nossa versão normal pode, sim, ser muito boa.
Ao aprender a meditar, ensinei a mim mesma o caminho para “o bom lugar”. Para mim, é um gramado fofinho, em que fico deitada sobre uma manta macia à sombra de uma árvore num dia ensolarado de temperatura amena. Quando chego lá, a mente vagueia para outra atividade, que monopoliza minhas sinapses: fazer lista de pequenas (e às vezes grandes) alegrias.
Não é “ter pensamento positivo”. Não é “desejar por coisas boas”. Não é “mantra para atrair a sorte”. É fazer um levantamento de fatos, de coisas concretas que já aconteceram e que provam, em retrospecto, que qualquer momento ruim que porventura eu possa estar vivendo seja por que motivo for também vai passar.
Vai daqui um exemplo de lista do que gosto de chamar de “pequenas levezas”:
- Sou amiga do meu marido, da minha mãe, da minha irmã e da minha filha
- Fui uma grande amiga do meu pai
- Minha letra cursiva é muito bonita quando escrevo com calma
- Assisti a mais filmes durante a infância e a adolescência do que muita gente que conheço
- Minha mãe me ensinou a ler aos 3 anos e desde então eu não parei de ler e aprender
- Sei a letra completa de todas as minhas músicas preferidas dos Beatles e do Chico Buarque
- Aprendi inglês tirando de ouvido as letras das canções dos Beatles e vendo filmes de VHS na TV com a legenda tapada por um papel com fita durex
- Quando vou ao Rio de Janeiro, não me sinto culpada por não ir a nenhum ponto turístico
- Ainda sou próxima (mesmo que às vezes apenas virtualmente) de grandes e queridos amigos de diferentes épocas da vida
- Aprendi a superar sem mágoas o desligamento de pessoas que a vida afastou
- Traduzi três livros do Kurt Vonnegut
- Entrevistei o Brizola antes dele ficar gagá
- Entrevistei o Lula mais de uma vez (antes dele ser presidente)
- Posso dizer que sou amiga de jornalistas gigantes como Sérgio Augusto, Maria Lúcia Rangel e Ana Maria Bahiana – e continuo sendo fã deles
- Aprendi a fazer panquecas iguais às da minha mãe
- Um dia uma americana me perguntou de que parte dos EUA eu era porque não estava reconhecendo meu sotaque
- Quando saio de férias, consigo me desligar do trabalho
- Aprendi que injustiças nos ajudam a crescer e melhorar
- Digito muito, muito rapidamente
- Não consigo dormir sem ler ao menos uma página de um livro
- Muita gente que indiquei a vagas de empregos se deram muito bem com as minhas indicações
- Tive chefes ótimos, razoáveis, medíocres e abaixo da média. Aprendi algo com cada um deles
- Tenho ex-chefes que me tratam com carinho até hoje
- Sou ex-chefe de pessoas especiais que me tratam com carinho até hoje
- Acompanhei minha mãe no processo da cura de um câncer
- Tive o prazer de estar à mesma mesa de pessoas como Carlos Lyra, Luis Fernando Verissimo e Fernando Morais. Eles certamente não sabem quem eu sou, mas e daí?
- No colégio, era quase sempre uma das primeiras a ser escolhidas para os times das aulas de Educação Física
- Um dia me disseram que quando criança eu devia ser igual à Mafalda
- O poder alheio não me intimida
- Plantei pelo menos uma árvore no meu jardim
- Sou capaz de costurar e tecer objetos para dar de presente
- Depois de anos achando que não conseguiria engravidar, gestei e pari uma filha
- Ainda não escrevi um livro, mas traduzi mais de 100
- Já perdi muita gente nesta vida, mas, caso exista um céu, o meu será bem animado daqui a muitos anos, quando eu chegar lá