Um dia destes vi a foto de um bebê filho de um casal de atores famosos e me chamou a atenção o fato de a menininha não parecer com nenhum dos pais. Depois me dei conta de que ambos tinham feito rinoplastia e harmonização facial, estavam com um nariz fino e a filha com um nariz abatatado. Certamente este narizinho “será corrigido” antes dela se tornar adolescente. Enquanto não encontrarem um meio de inserir a harmonização facial e demais cirurgias estéticas na carga genética, os bebês vão continuar nascendo cada vez mais diferentes dos pais.
Eu tenho refletido sobre as enormes diferenças entre como aparecemos nas mídias sociais e de como somos no mundo presencial. Ao contrário de outras pessoas que usam filtro e que se mostram mais bonitos do que são, eu cheguei a pensar em postar a foto da minha carteira de identidade no meu perfil, assim causaria um certo impacto positivo quando me vissem ao vivo. As pessoas pensariam: “você não está tão feio quanto eu imaginava”. A psicologia explica que a frustração ou o encantamento ao se deparar com uma situação depende da expectativa que se tinha. Ou a gente vive só nas redes sociais e evita encontros presenciais, ou seria mais prudente não criarmos expectativas que irão frustrar os demais quando nos encontrarmos pessoalmente.
Mas não é só ao nascer e ao longo da vida que estes problemas ocorrem. Quando meu pai morreu nós encomendamos os serviços funerários e não fizemos nenhum pedido de maquiagem, coisa que ocorreu por conta do tal “preparo do corpo para o velório”. Eu e muitas pessoas não reconhecemos o meu pai no caixão dado a “necromaquiagem” feita. Me diga, para que isto? Ele estava bem, com a carinha de idoso, mas e daí?
Eu fico pensando, as crianças de hoje já nascem com cirurgias agendadas para se transformarem em quem não são, irão viver fazendo alterações no corpo para serem quem desejariam ser e morrerão parecendo quem não foram. Isto tudo não se restringe ao aspecto físico, muitas pessoas estão usando medicamentos para combater a ansiedade, para regular o humor e para aumentar a sua capacidade intelectual. Me parece que isto indo muito além dos casos em que há recomendações médicas. Empresas nos EUA estão incentivando seus colaboradores a usarem Ritalina durante a jornada de trabalho para aumentar a produtividade. Há quem diga que no futuro será colocado fluoxetina (Prozac – a pílula da felicidade) nas caixas d’água para que as pessoas não se matem.
Quando estive na China me chamou a atenção como as pessoas eram semelhantes, pois eram quase todos da mesma altura, olhos puxados, roupas parecidas, o que tornava um tanto difícil para um ocidental saber se a recepcionista do hotel era a mesma do dia anterior. Algum tempo depois estudei sobre moda sustentável e aprendi que a moda é uma forma que as pessoas usam para se diferenciar. Aí não entendi mais nada! Se a moda é para diferenciar, por que as pessoas querem se tornar parecidas, se não iguais, às modelos e às pessoas que admiram? Os fios de sustentação no rosto, a rinoplastia e tantas outras “plastias” não irão nos deixar todos com fisionomias semelhantes? Em breve seremos os chineses do ocidente?
Não vejo problemas de as pessoas usarem recursos para se sentirem melhor, mais bonitas ou desejarem ser magras. Aliás, perder peso é o principal objetivo na vida de algumas pessoas. Eu mesmo, quando vejo que estou acima do peso, passo a controlar a alimentação. Às vezes me pergunto se faço isto por uma questão de saúde ou por vaidade? Não importa, temos o direito de querer melhorar o nosso shape. O que me incomoda é ver pessoas querendo parecer com alguém que não é o que parece ser. Ficou confuso? Eu explico! Muitas pessoas admiram a beleza dos famosos e de amigos nas redes sociais, mesmo sabendo que muito daquilo é fake. As fotos destas pessoas merecem ser admiradas como “obras de arte, mas tendo a consciência de que o que estamos vendo não é a pessoa que se diz ser. Por que então desejar que o seu corpo e suas feições se tornem como aquela imagem trabalhada com muitos filtros e recursos da internet?
Como será no futuro? O que mais faremos para parecermos belos, inteligentes e bem-humorados? Não duvido que “algum estudo da Harvard” descubra que, lá no passado, existiam pessoas que viviam relativamente felizes com o seu corpo, do jeito que eram, sem desejar ser quem não eram. Talvez a moda do futuro será: “Seja você mesmo! Não destrua as características que o tornam único!”. Se voltarmos a admirar a beleza que existe em cada um de nós e entendermos que entre os oito bilhões de habitantes, ninguém consegue ser como nós, estaremos então mostrando nossos traços, as marcas do tempo e nossa personalidade diferenciada, como seres únicos que somos. Tem coisa mais original que isto?
Dica da semana: Série “Sem Filtro”, comédia disponível na Netflix, que ironiza o mercado de “influência”.