A gente já se conhece há algum tempo. Começamos essa relação em setembro do ano passado e, desde então, publico esta coluna toda segunda-feira. Alguns, claro, se tornaram leitores ao longo do trajeto. Talvez você, que lê agora a coluna, seja meu leitor ou leitora de primeira viagem. Se for o caso, bem-vindo, bem-vinda.
Acho que dá para perceber que não há um estilo único em meus textos. Às vezes faço crônicas na primeira pessoa. Em outras, na terceira. Gosto de escrever ficções, mas também falo de acontecimentos que nada têm de ficcional, como a coluna de 7 de outubro, publicada um ano após o ataque terrorista do Hamas no sul de Israel.
Em algumas ocasiões, a primeira pessoa sou eu. Em outras, a primeira pessoa é um amigo, um conhecido ou alguém que observei em um café. Em alguns textos, a terceira pessoa sou eu!
Já contei aqui fatos 100% verídicos que ocorreram comigo. Ou completamente verdadeiros que testemunhei, ouvi da boca do personagem da história ou, como na maravilhosa crônica “Meu ideal seria escrever”, de Rubem Braga, que “ouvi por acaso na rua, de um desconhecido que a contava a outro desconhecido, e que por sinal começara a contar assim: ‘Ontem ouvi um sujeito contar uma história…’” Também já misturei histórias em busca de graça ou para não escancarar que falava sobre mim mesmo, ainda que geralmente eu seja visceral; que nas crônicas, assim como na vida, escancare o que penso e sinto.
Sim, acho que tu já me conheces e provavelmente gostas de mim (ao menos torço por isso), mas ainda não sei se devo contar para ti algo que tenho muita vontade de confessar.
Desde ontem, aqui em frente do notebook, fico me perguntando, me questionando: “conto ou não conto?”, “revelo ou não revelo?”
Há algumas horas tomei o café da manhã com a minha esposa, Maria. Ela estranhou meu incomum silêncio matinal. É o amor da minha vida, a companheira dos momentos de alegria e, claro, também das horas de angústia.
– Maria, devo contar aos leitores que…?
Pensei, mas não falei. Além de minha esposa, Maria é também minha leitora.
É mais uma pessoa a tornar difícil essa tarefa de eu decidir se o cronista deve ou não escancarar tudo, absolutamente tudo, para quem o lê.
A angústia é grande, mas decidir é preciso!
Há pouco, Maria entrou no banho.
Atormentado, fui até a sacada. Antes, fechei a porta do quarto e a da sala, para certificar-me de que nenhum barulho chegaria ao box.
Cheguei à beirada da sacada. No décimo-terceiro andar, mirei o horizonte. O céu estava límpido. Hoje é um lindo dia de céu azul e raras nuvens. Olhei para baixo, respirei fundo, tomei coragem e gritei:
– Cooooonto ou não coontooooo!
Na rua da frente, um vizinho acostumado às surpreendentes comemorações deste gaúcho que vive há tantos anos em São Paulo, saiu à janela e gritou:
– Gol do Grêmio?
Nem respondi.
Voltei para dentro, como se não tivesse escutado.
Para dentro do apartamento.
Das minhas angústias.
Dentro de mim mesmo, mas diante deste notebook.
– Deve ser por isso que chamam de com puta dor…, penso tolamente.
Conto ou não conto?
Caminho em direção à minha esposa.
Abro a porta do corredor.
Abro a porta do quarto.
Mas não tenho coragem de ultrapassar a porta do banheiro.
Volto constrangido até a mesa da sala.
Há momentos em que estamos sós, absolutamente sós, para a tomada de decisões.
Olho para a tela. Para o teclado e pergunto para o mouse:
– Sou um homem ou um rato?
Nem mesmo o trocadilho (tu entendeste, né?) me faz sorrir ou retira de mim parte da angústia.
– Conto ou não conto?
Com lágrimas nos olhos, decido contar para você, leitora, leitor, que todo esse texto até aqui é só porque, apesar de todo o esforço, não tive nenhuma inspiração para escrever minha coluna semanal na Sler.
***
(e também tem essa história)
SEMPRE TEM A PRIMEIRA VEZ…
A gente se acha insuperável. Forte! Inabalável! Há coisas que acontecem com os outros. “Mas comigo não!”
Mas o fato é que sempre tem a primeira vez.
Após mais uma tentativa, ele olha para a esposa e diz:
– Isso nunca aconteceu comigo antes!
Ela sabe que é verdade. Ao menos desde que estão juntos, há 16 anos.
Olha para ele e diz:
– Isso acontece com todo mundo. Não tem problema.
– Mas nunca ocorreu comigo!
Ele está visivelmente constrangido. É apenas uma vez por semana e, mesmo assim, fracassa. Justamente ele, que anos antes publicava diariamente no Facebook a divertida página “Umazinha só, mas todos os dias”.
– Tu juras que não vais contar para as tuas irmãs nem para alguma amiga?
Ela se ofende. Logo ela, que é tão reservada nos assuntos pessoais. Parece que ele não a conhece.
Apesar do momento delicado, decide reagir.
– Você é sempre assim. Ao invés de pensar no seu problema, nas suas dificuldades, fica preocupado com o que os outros vão pensar! Claro que não vou contar nada. E mesmo se contasse, não teria nada demais. Mas, fique tranquilo, não vou contar.
Ela se arrepende da resposta nervosa e pouco compreensiva.
Muda o tom da conversa.
– Não foi algo que eu disse, alguma coisa que fiz e que te deixou tenso?
A piedade no olhar e nas palavras o fere mais que a braveza anterior.
Ela não desiste de ampará-lo:
– Se você beber uma água, descansar um pouco, assistir a um filminho, talvez aí consiga…
Ele nem a olha nos olhos. Cabisbaixo, derrotado, sai do apartamento, desce pelo elevador e começa a caminhar pelas alamedas do condomínio.
– É só uma vez por semana. Uma mísera vez por semana. E simplesmente não consigo.
Pela primeira vez, talvez não tenha, na segunda-feira, a sua coluna semanal na Sler…
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Foto da Capa: Freepik