Sempre escrevo sobre o futuro do trabalho e como novos fatores influenciam diretamente nossas rotinas e perspectivas profissionais. Inteligência artificial, nomadismo digital, semana de quatro dias, são temas sobre os quais tenho buscado refletir nesta coluna, sempre trazendo minha opinião a respeito do seu impacto no mundo corporativo e, principalmente, na nossa vida pessoal.
Mas, esta semana, decidi inverter o pensamento. Ao invés de falar de ocupação, quero trazer uma preocupação sobre o futuro do descanso.
Eu tenho 47 anos e já trabalho há quase 30. Ao invés de 30 meses de férias, como manda a boa e velha CLT, tive bem menos de 30 períodos curtos, de 10 a 15 dias. E só depois que nasceram meus filhos, nos últimos 15 anos.
Esses intervalos foram marcados por conseguir rodar uma agenda sem compromissos profissionais, mas em que eu raramente conseguia me desconectar totalmente. Atender ligações de clientes, verificar e-mails e mensagens, participar de reuniões emergenciais eram regra e não exceção.
Como desculpa para tal, sempre argumentava dizendo: “quem mandou nascer pobre e honesto? Se não tivesse uma dessas características, quem sabe…”. E assim seguia o rumo das coisas, com todo mundo que conheço agindo da mesma maneira.
Isso mudou quando vim morar em Portugal. Aqui, fiquei muito impressionado com a maneira com a qual as pessoas tratam o seu período de férias. As semanas de descanso são sagradas para todos.
Se você chegar por aqui em agosto e resolver viver como um local vai perceber o que eu entendi a duras penas: este mês é um fevereiro brasileiro levado a sério. Tudo fecha. Patrões e empregados cerram as portas – com cadeados que não segurariam uma velhinha brasileira mal intencionada – e se tocam para as praias do Algarve.
Lojas, restaurantes, padarias, serralherias, olarias, creches e até as piscinas… O que você precisar em agosto, esqueça, e volte em setembro. Eh pá, se está com pressa, que tivesse vindo antes.
Boa parte disto se deve ao fato da legislação portuguesa, assim como a brasileira, garantir o descanso remunerado para todos os trabalhadores. Outra porção é baseada em uma cultura menos “carreirista”, que desconsidera o conceito de “escala de férias”.
Até conhecer esse modelo, minha referência eram os Estados Unidos, a única economia desenvolvida na qual a lei federal não garante o direito de ausência remunerada a nenhum trabalhador. Lá, essa é uma prerrogativa do empregador, que pode oferecer um certo número de dias por ano ao negociar a contratação, salvo algumas excepções estaduais (como os casos da Califórnia e de Nova Iorque), sobretudo em relação a médias e grandes empresas.
Graças a isso, estatísticas oficiais indicam que apenas 79% dos trabalhadores norte-americanos gozam de licenças remuneradas. Em média, cada trabalhador tem 11 dias anuais de descanso, incluindo ausências por questões de saúde, luto ou qualquer outra imprevisibilidade.
E se a lei não facilita, a cultura de trabalho também não ajuda. Uma pesquisa deste ano do Pew Research Center concluiu que menos da metade dos trabalhadores norte-americanos (48%) goza todos os dias de descanso remunerado a que tem direito anualmente. A razão para isso é que 49% dizem acreditar que tirar férias vai apenas resultar em mais trabalho no regresso, 16% teme ser despedido por gozar todos os seus dias num ano, e 43% dos inquiridos sente culpa pelo trabalho que sobra para os seus colegas quando se ausenta.
Então temos de um lado um país minúsculo, com um das menores médias salariais da União Europeia, “aproveitando a vida”, e de outro a maior economia do mundo, onde a maioria trabalha sem descanso em busca do sonho americano.
Nessa encruzilhada, para onde caminha o Brasil?
Eu confesso que não gosto do que vejo. A uberização das relações de trabalho chega em praticamente todos os mercados, inclusive, e fortemente, nos segmentos de comunicação e tecnologia.
As relações estão cada vez mais desequilibradas, com profissionais aceitando o trabalho que conseguirem. Esses dias li sobre uma empresa que não paga para quem não atingir 80% de suas metas e – conclusão minha – não deve incentivar ninguém a se ausentar para algo tão prosaico como levar os filhos ao Beto Carreiro.
Vale ler a matéria publicada na revista Meio & Mensagem do dia 31 de julho de 2023, intitulada “Tecnologia: quais as novas possibilidades para o trabalho publicitário?”. O conteúdo não fala de férias (nem poderia), mas permite percebermos os caminhos que estamos trilhando.
Já não sei se desejo a todos um bom descanso ou … um bom trabalho.