Já se passaram oito anos da publicação da encíclica Laudato Si’ pelo Papa Francisco. De lá para cá, desconheço avanços significativos de católicos ou mesmo das milhares de organizações, escolas, universidades etc. regidas por eles com relação a iniciativa.
Pois há poucos dias, o Papa novamente chamou a atenção para o urgência do tema. E o movimento Laudato Si’ foi reforçado com uma nova encíclica a Laudato Deum. Eu realmente faço votos que pelo menos as instituições de ensino católicas se aliem aos pedidos do chefe maior da Igreja Católica. Todos nós, independente da crença ou religião, precisamos repensar nossas condutas com relação a tudo que temos feito no que se refere ao planeta e aos demais seres que nele habitam.
O documento assinado pelo Papa Francisco alerta:
…dou-me conta de que não estamos a reagir de modo satisfatório, pois este mundo que nos acolhe, está-se esboroando e talvez aproximando dum ponto de ruptura. Independentemente desta possibilidade, não há dúvida que o impacto da mudança climática prejudicará cada vez mais a vida de muitas pessoas e famílias. Sentiremos os seus efeitos em termos de saúde, emprego, acesso aos recursos, habitação, migrações forçadas e noutros âmbitos.
E mais: a mudança climática, ultrapassa uma abordagem meramente ecológica, porque ‘o nosso cuidado pelo outro e o nosso cuidado com a terra estão intimamente ligados. As alterações climáticas são um dos principais desafios que a sociedade e a comunidade global têm de enfrentar’.
Esse chamado recente do Papa me tocou por vários motivos. Nasci numa família profundamente católica. Meu pai foi ex-seminarista. No tempo em que não se tinha opção: ou ficava em casa para trabalhar na roça ou ia para o seminário. Ele saiu no último ano antes de fazer os votos para se tornar sacerdote. Foi muito difícil para ele assumir essa decisão. Os valores, os costumes, toda atmosfera daquele tempo determinavam as escolhas e o comportamento das comunidades daquele momento histórico, das décadas de 40/50 do século passado.
Eu vivi em um ambiente onde cuidados com o meio ambiente faziam parte do nosso dia a dia. Mas não era por questões ecológicas. Era porque era a forma mais racional de se viver bem com pouco dinheiro. Ter horta em casa, reaproveitar água da chuva, usar o resíduo orgânico para virar adubo fazia parte da rotina da nossa casa. Meu pai foi a pessoa que mais combateu desperdício, racionamento do uso de recursos (Deus-o-livre tomar banho demorado, deixar comida no prato) que eu já conheci.
À medida que fui entendendo a História, tendo contato com outras formas de espiritualidade, fui percebendo nuances do quanto a educação que recebi do meu pai me levou a ser uma ambientalista. Para mim, o respeito ao uso dos recursos faz parte da prática de se viver a espiritualidade. Por isso, acho muito grandioso essas encíclicas atuais.
Só que esse tipo de percepção, não é incentivada nas instituições de ensino católicas. Muito pelo contrário. Incentiva-se o consumo desenfreado e uma economia nada circular e, muitas vezes, que fortalece a indústria armamentista, a exploração de combustíveis fósseis etc. Diante desse contexto, que vem de muitos séculos – da exploração e ostentação do ouro, até a destruição de culturas – que caminhos existem para enfrentar o atual desafio civilizatório, ainda agravado por guerras que a mídia dá mais importância que a crise de todas as crises?
Por que as instituições que foram fundadas pelos religiosos tomam decisões em que o Deus Mercado é mais valorizado do que o Deus das escrituras sagradas?
E agora, diante da ebulição climática, será que a Igreja vai influenciar seus seguidores sobre a situação em que nos encontramos? Essa pergunta é difícil de responder. O que posso afirmar, com certeza, é que todas as filosofias, religiões, movimentos judaico-cristãos precisam se unir na defesa da vida, para desacelerarmos rumo ao caos climático. E as suas universidades, institutos, fundações etc. não podem ficar de fora.
A juventude está em alerta. Vejam só alguns dos desejos de uma declaração assinada por jovens de várias religiões em evento no dia 4 de outubro, dia de São Francisco de Assis, no site do Movimento Laudato Si’:
- Aumentar a consciencialização sobre a crise climática, defender mudanças políticas em todos os níveis de governo e buscar medidas de ação climática e adaptação para combater a crise, para o bem futuro de todos.
- Apelar à comunidade internacional, especialmente aos países do norte global, para que prestem auxílio às comunidades mais afetadas e vulneráveis através do Fundo Verde para o Clima.
- Mobilizar os fundos necessários para responder às necessidades financeiras e não financeiras decorrentes de perdas e danos sofridos pelas comunidades afetadas pelos perigos climáticos, causados pelas alterações climáticas.
- Implorar à comunidade global que aprenda com as comunidades indígenas sobre como podemos sustentar e restaurar o equilíbrio com toda a criação.
- Denunciar qualquer tipo de financiamento climático que venha na forma de empréstimos, declarando-os como uma maldição geracional, pois representam um fardo sobre gerações futuras inocentes.
- Rejeitar os créditos de carbono, pois isso não resolve o problema da produção e acumulação de dióxido de carbono na atmosfera, seus efeitos adversos e sua contribuição para a crise climática em que nos encontramos.
- Apelar urgentemente às indústrias internacionais para que façam uma transição rápida para fontes de energia renováveis, incluindo a solar, eólica e hidroelétrica como um passo imperativo para mitigar o impacto catastrófico das emissões de dióxido de carbono.
Vale conferir a declaração na íntegra, no site do Movimento Laudato Sí.
Foto da Capa: Vatican Media