Nem lembro quando foi a primeira vez que me deparei com algum conteúdo sobre empresas que adotavam jornadas de trabalho “alternativas” para ampliar a produtividade e atrair profissionais. Sei que foi há muito tempo e que, desde sempre, esse tema só nos servia para alimentar acalorados debates, sem qualquer efeito prático ou saída imediata.
Agora, chegamos ao fim desta fase. Na minha opinião, três fatores constroem um momento singular para que, finalmente, possamos tirar do papel a adoção – massiva, não isolada – de opções de redução da semana de trabalho.
Em primeiro lugar, a tecnologia, ao invés de liberar tempo, preenche nossa agenda de forma brutal. Reuniões agora são presenciais ou remotas, clientes, parceiros e colegas têm inúmeros canais de contato (o famoso mandar um WhatsApp para avisar que mandou e-mail), sem falar em um sem-número de ferramentas que nos sobrecarregam ainda mais com micro gerenciamento.
Outro fator que tem impulsionado as discussões sobre o tema é uma “epidemia” de burnout. A síndrome, que desde 2022 é considerada uma doença ocupacional, acomete um a cada quatro brasileiros e está intimamente ligada à falta de vínculos sociais e atividades de lazer combinadas com a desconexão do trabalho com os valores pessoais.
O resultado disso: vários estudos mostram que somos produtivos menos de 3h por dia. Ou seja, na maior parte do tempo de trabalho não trabalhamos p* nenhuma.
E é aí que entra o último fator que vai exigir a redução das jornadas de trabalho: a aplicação real da inteligência artificial no nosso dia a dia profissional. Obviamente, os administradores sem noção do papel social de uma empresa estão pensando em quantos postos podem cortar ao adotar aplicações que reproduzem o trabalho humano. Mas, quem vai mais além, já se deu conta que, se substituirmos cada redator, auxiliar, assistente, por uma máquina, não vai sobrar ninguém para apagar a luz (ou comprar Coca-Cola, logo não vai precisar de propaganda de Coca, nem agência de propaganda, nem produtora de vídeo…).
Obviamente, usando este mesmo exemplo do mundo da propaganda, a principal barreira para a evolução da discussão sobre a jornada é acabar com a mentalidade de que ser produtivo é sinônimo de trabalhar mais horas. Quem circula no meio publicitário e não recebeu telefonema histérico depois das 18h para debater um problema que poderia ter sido resolvido às 14h ou deixado para o dia seguinte, saiba: você foi enganado. Esse lugar idílico por onde andou não é – nem de longe – o meio publicitário.
Nos mercados de comunicação e tecnologia, que são os que eu conheço bem, ter hora para sair é coisa de quem não veste a camisa. Sair de férias e desligar o celular é motivo de demissão. Trabalhar sábado e domingo? É só pedir uma pizza e oferecer cerveja no fim do dia que vira festa.
Com isso, se criam jornadas de trabalho massacrantes, que impõem rotinas insanas aos profissionais. E, como boas vítimas da síndrome de Estocolmo, milhares de profissionais lutam por vagas em empresas que gastam mais em escorregador, pufe colorido e show de fim de ano do que em iniciativas para melhorar efetivamente a vida de seus colaboradores.
Mas o mercado vem mudando e uma coisa fica cada vez mais evidente: precisamos acabar com as fábricas de moer gente. Seja no campo, na indústria ou nos escritórios é preciso dar um passo atrás e entender onde estamos errando. É necessário entender que tudo que fizemos como humanidade foi em busca de trabalharmos menos e não mais. Ou alguém pensa que inventamos a roda, a alavanca e a tele-entrega de cerveja para algo diferente do que liberar tempo para dançar em torno da fogueira?
Pensando nisso e buscando promover a adoção da semana de trabalho de quatro dias no Brasil, a instituição global sem fins lucrativos 4 Day Week Global e o Boston College conduzirão um projeto piloto para analisar o impacto da redução da jornada de trabalho na produtividade das empresas e felicidade de seus profissionais.
Trabalho similar já foi feito ou está sendo realizado em diversos países do mundo. Em Portugal, por exemplo, iniciativa privada e poder público estão adotando o formato e os resultados já podem ser observados, com especial destaque para o desinteresse dos profissionais em ganhar mais para voltar a trabalhar cinco dias. Num país onde os salários estão abaixo da média regional e este é um aspecto de crítica constante, isso é bastante impactante.
No Reino Unido, onde o estudo piloto já foi concluído, 93% das empresas passaram a adotar permanentemente os quatro dias úteis. O motivo é simples (e financeiro): as companhias observadas tiveram 35% de aumento médio de receita, redução de 71% dos casos de burnout e 57% no turnover. Clique aqui para ver os resultados completos.
Quem tiver interesse em fazer parte do projeto piloto que será executado no Brasil, basta acessar o site aqui e aderir. O estudo começa em setembro e vai até dezembro de 2023.
Até lá, vamos ficar na torcida para que possamos adotar o “quintou” ao nosso vocabulário.