Em 2006, Vinícius José Paixão de Oliveira, levou o filho de mesmo nome, Vini Jr., a uma das filiais do Flamengo em São Gonçalo, Rio de Janeiro, para fazer teste para jogador de futebol.
De família humilde, Vini Jr. foi então morar com um tio na Abolição para reduzir o custo de deslocamento até o Ninho do Urubu, centro de treinamento do Flamengo.
Depois do sucesso no Mengão, o menino de São Gonçalo foi vendido para o Real Madrid por € 45 milhões, vencendo o determinismo da pobreza reservada pra meninos negros da periferia carioca.
No último dia 21 de maio, em jogo entre o Real Madrid e Valência, válido pelo Campeonato Espanhol, a torcida visitante das arquibancadas chamava Vini Jr. de macaco (“mono”).
O presidente brasileiro, Luiz Inácio “Lula” da Silva, diretamente e através dos seus ministérios, condenou duramente o episódio racista, ao que se juntaram vozes nacionais e internacionais.
Na extrema direita bolsonarista, no entanto, o Senador capixaba Magno Malta acusou Vini Jr. de se vitimizar e a sociedade de ficar remoendo o episódio ao invés de pensar no macaco que, a mais do que o jogador de futebol, teria apenas o rabo:
“E que as emissoras ficam com este assunto desde ontem, reverberando, revitimizando ele [Vini Jr.], porque o assunto dá IBOPE, pra eles ganha mais patrocinador, é uma descaração isso, e depois é o seguinte, gente, é um assunto que eu nem posso falar em público, mas quando o cara é picado de cobra, quando ele corre pra tomar uma injeção, aquela injeção foi feita de quê? De cobra. Então você só pode matar alguém ou um coisa com o próprio veneno de alguma coisa, então o seguinte, cadê os defensores da causa animal que não defendem o macaco, macaco tá exposto, veja quanta hipocrisia, certo, e o macaco é inteligente, é bem pertinho do homem, a única diferença é o rabo, ágil, valente, alegre, tudo que você possa imaginar ele tem, eu se fosse um jogador negro, eu entrava em campo com uma leitoinha branca nos braços, ainda dava um beijo nela, falava assim: -olha como não tem nada contra branco. Eu ainda como se tiver. Então, veneno se faz com veneno. E daí esses caras ficam insistindo nesse troço de macaco, e daqui a pouco a associação de defesa dos animais, que não tomou a defesa, então fica revitimizando o Vinícius, ao invés de colocar o menino lá em cima.”
Autointitulado “cristão”, Magno Malta é pastor evangélico fundamentalista que, entre outras coisas, ficou conhecido por postar no Facebook uma foto da rola conjuntamente com um vídeo com mentiras sobre tratamento da COVID.
Trata-se do mesmo “cidadão de bem” que acusou o cobrador de ônibus Luiz Alves de Lima de estuprar a própria filha então com 03 anos de idade. A menina tinha coçado uma alergia e – ao ser levada para o hospital -, as lesões genitais levantaram a hipótese de estupro. Antes de qualquer apuração dos fatos, Malta acusou Lima na imprensa de estuprador como forma de se projetar politicamente. Lima foi preso, torturado, perdeu totalmente a visão de um olho e parcialmente do outro, teve os dentes quebrados com um alicate e, seis anos depois, acabou inocentado. A mãe da menina também foi presa e depois inocentada.
Classificar Magno Malta de uma pessoa inescrupulosa, escrota e possivelmente racista não é nenhum excesso, mas, ao mesmo tempo, é muito pouco, pode até revelar a árvore, entretanto diz pouco da floresta.
A extrema direita como um todo, e a bolsonarista especificamente, praticam diariamente no seu discurso, como estratégia de ação, o esgarçamento do teratológico, a ampliação das fronteiras que separam a civilização da barbárie.
Michele Prado (@MichelePradoBa no Twitter), estudiosa da extrema direita, e que já foi alvo de uma das campanhas mais ignóbeis e canalhas da história brasileira promovida por bolsonaristas, explica essa estratégia pela Teoria de Joseph P. Overton, também conhecida como Teoria do Discurso. “A teoria indica que conversar sobre o que era antes impensável moverá a Janela de Overton e as ideias que antes eram radicais, eventualmente, mudarão para a corrente principal. Dessa forma, os limites do discurso público aceitável vão sendo expandidos gradativamente. Negacionistas do Holocausto e grupos neonazistas aumentaram, então, a frequência de seus discursos em chats ou outras plataformas digitais a fim de normalizar seus conceitos extremistas” (Tempestade Ideológica – Bolsonarismo, a Alt-Right e o Populismo Iliberal no Brasil, Ed. Lux, São Paulo, 2021, pp. 97/98).
Quando Malta, com suas falas de conotação racista, empurra o limite do discurso, esse limite depois expandido jamais voltará à situação original e, o campo formado pela diferença entre a posição inicial e a final, invariavelmente, acabará usucapido como lugar de fala da extrema direita. A Alt-Right sabe que uma fala inaceitável não vai normalizar o racismo, mas, no vão das coisas ditas, caberão outras ordens de discriminações e discursos de ódio.
A piada do Léo Lins sobre “que negro sempre reclama que não tem emprego, mas, na época da escravidão, que já nascia com emprego, ele também reclamava” aparentemente até se torna menos inaceitável se comparada à frase do Malta sobre o Vini Jr.
Outro ponto revelador sobre a fala de Malta, é que também é possível lê-la como um trolling, uma colocação permeada de ambiguidade que torna incerto se o que foi dito era sério ou brincadeira, deixando uma rota de fuga pro racista negar o racismo e ainda acusar seu detrator de ditador do politicamente correto, outra estratégia usual da extrema direita como também destaca Michele Prado.
Aliás, não demorou para o Senador Capixaba atacar seus acusadores dizendo que é negro, o que anularia a acusação de racismo numa leitura rasa da realidade, método frequentemente usado por Jair Bolsonaro quando se defende de acusações similares apontando para seu fiel escudeiro Hélio Negão. Quem não lembra do seu Jair levando a tiracolo o maquiador gay da sua esposa, Agustín Fernandez? Trata-se de atitude aparentemente conflitante com as imputações de homofobia que lhe são feitas.
Isso resume o tokenismo adotado pelos extremistas, expressão muito utilizada por Martin Luther King, a partir da raiz token (símbolo), “como prática de fazer apenas um esforço para ser inclusivo para membros de minorias, especialmente recrutando um pequeno número de pessoas de grupos sub-representados para dar a aparência de igualdade racial ou sexual dentro de uma força de trabalho” (Michele Prado, op. cit. p. 128).
Então não espere identificar racista pelo lençol branco com dois furos para os olhos, pois nestes dias não seria de espantar encontrá-lo contando piada discriminatórias do seu lado na mesa do bar entre um chope e outro, ou quem sabe no espelho enquanto você faz a barba.
Foto da Capa: Agência do Senado