Sábado, 6 de julho de 2024, o dia em que Teresa nasceu começou gelado. Com temperaturas que chegaram a 1 grau. Após uma sexta-feira de tempo encoberto com chuva, a que se somou o ar polar vindo da Argentina.
Tive o privilégio de acompanhar nossa filha. Eu e o genro. Ele em estreia de paternidade. Eu, inaugurando condição que, de tão especial, nem nome tem. Não aparece em dicionários: – Avosidade? Avoíce? Vovô-corujice?
Em meio à afinadíssima orquestra de câmara, Pedro e eu, dois deslumbrados. Evitávamos derrubar instrumentos e partituras. Na regência, o virtuoso Dr. Edinho. Obstetra de natural vocação, Edson Vieira da Silva Cunha sabe impor delicadeza, permite que se perceba o sublime.
No bolso, toca o celular. Ao adentrar no palco, eu esquecera de colocar no modo silencioso. Quase me desculpando, atendi. Outro doutor Cunha, também médico, também obstetra. Meu amigo Franklin, cronista erudito. Disse que, por um impulso, resolvera me chamar, convidava para uma charla. Ele não poderia imaginar quanto, e com o que, eu estava ocupado. Ligara na justa e exata hora em que se dispunham palhas na manjedoura.
Entendi como bom presságio. Mais um excepcional parteiro, espontaneamente, surgia na encantada hora.
Agora assomam memórias da história obstétrica familiar.
Juntou-se a nós, o Balduíno Robinson. Meu avô médico, primeira metade do século XX, foi responsável por incontáveis partos na região do Mundo Novo, hoje Três Coroas.
Também Gertrudes, a “Gértrud Parteira”, esposa do meu tio-avô Fernando Becker. Foi pelas mãos seguras e experientes dela que cheguei ao mundo, em visita à casa materna e adiantado no tempo. Coisas de aquariano.
Chega também tio Lauro Schuck, outro obstetra de afável lembrança. Emblemática presença no nascimento da nossa primogênita, que agora se faz mãe.
Ao alcance de um abraço e de um aplicativo, poderia chamar a Rosvita Bersch, a Bia Valiati e o nosso guru pediatra, o Lauro Hagemann. Esses três foram reis magos em nossos presépios.
Nesses dias que antecedem o final do ano, de balanços e retrospectivas, completo quarenta semanas de crônicas na Sler – uma gestação a termo. Destaco o Natal, que comemoramos com semestral antecedência. Nossa neta ingressou no mundo, na proteção de Moinhos de Vento, às 19:48 horas daquele dia. Rodeada de referências de afeto e ancestral reinvenção da esperança.
Na tarde seguinte, após aquela primeira noite da nova família, assisti “Interestelar”, ficção científica dirigida por Christopher Nolan. Injustificado atraso de uma década para um cinéfilo. De tudo, uma frase no roteiro me tocou. Certeira, oportuna. Dita pelo personagem Cooper, papel do ator Matthew McConaughey, à filha: “Quando você nasceu, sua mãe me disse algo que eu nunca entendi. Ela me disse: ‘Agora estamos aqui para ser as memórias de nossos filhos’. Acho que finalmente entendi o que ela quis dizer” – continuou ele. “Quando ficamos pais, nos tornamos os fantasmas do futuro de nossos filhos.”
Ao nos tornarmos avós, isso se potencializa. Por um lado, sabemos que nosso tempo de convivência com os netos tem o seu limite. Mas, o que poderia ser tristeza, é libertador.
Desprovidos da equivocada sensação de responsabilidade culposa, por tudo o que pode acontecer de incômodo aos netos ao longo da trajetória. Da cólica e das primeiras quedas no parquinho até a colocação de um pivô, desajuste na dentadura, correção de catarata, adaptação a aparelho auditivo.
O fato de que não estaremos “presentes” para acompanhá-los, mais do que por determinado tempo, nos permite integral dedicação a “único” encargo: – Nos prepararmos com afinco para nos tornarmos bons fantasmas!
Os melhores, os memoráveis, aqueles que serão sempre lembrados em histórias e sorrisos nostálgicos.
Fantasminhas camaradas, mágica doçura e constante força, personagens fundamentais no futuro de nossos netos. Felizes, sempre juntos, para o infinito e além.
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Foto da Capa: Do filme Gasparzinho, o Fantasminha Camarada / Divulgação