A palavra rearquitetura é nova e pouco utilizada, mas sua prática vem de tempos remotos. O Louvre, em Paris, ou a Basílica de São Pedro, no Vaticano, são bons exemplos dessa atividade. Durante séculos, arquitetos assumiram a continuidade desses projetos com respeito e sensibilidade ao trabalho de seus antecessores. Os resultados mostram a harmonia de múltiplas gerações de profissionais afinados a um mesmo propósito: arquitetura. A última intervenção no Louvre, diga-se de passagem, é relativamente recente, foi concluída em 1983.
Se a demanda de projetos sobre uma arquitetura existente sempre foi grande, no mundo atual, extremamente construído, ela vai ser cada vez maior. Os edifícios duram mais que as maneiras de usá-los e, por isso, é preciso, de tempos em tempos, adaptá-los às novas demandas. A rearquitetura faz isso.
Ah, tá falando de reforma! Não, reforma tem diferenças fundamentais com a rearquitetura. É verdade que ela adapta edificações antigas a novos usos. Mas faz isso apenas com o objetivo de reaproveitar o suporte da anterior (ver Arquitetura Abstrata), tirando proveito material do que for possível. Feita a reforma, veremos vestígios da construção anterior, mas nada da sua arquitetura.
Não há nada de errado em fazer reformas, pelo contrário. Elas são muito importantes do ponto de vista ambiental, pois evitam a demolição pura e simples. Botar abaixo para começar tudo de novo é uma atitude perdulária: joga-se fora – e gasta-se para fazer isso – capital e trabalho dispendido. Reaproveitar o que for possível é, e vai ser cada vez mais, essencial para o cuidado com o planeta.
O parentesco entre rearquitetura e reforma para por aí. A grande diferença é que a rearquitetura olha, valoriza e se preocupa em manter qualidades da arquitetura pré-existente. O arquiteto sabe que precisa introduzir o seu projeto, a sua arquitetura, mas que deve fazê-lo afinado com o que existe ali e que o resultado não vai ser nem a arquitetura anterior, nem a nova, mas uma outra que inclua as duas. É um trabalho diferenciado de coautoria, onde o segundo autor, o contemporâneo, se responsabiliza por dialogar não com o autor ausente, mas com sua obra. Como arquiteto, posso dizer que é um exercício fascinante.
A rearquitetura tem, portanto, o sentido da permanência, da continuidade, da renovação sem perda de valores. É a solução apropriada para imóveis com reconhecido valor arquitetônico que precisam ser renovados. O reconhecimento desse valor não precisa ser oficial, pode ser percebido pelos proprietários e pelo arquiteto e pode advir da simples preocupação com a memória afetiva dos moradores ou das famílias. Não precisa passar por julgamentos estéticos eruditos ou pelo renome do arquiteto autor do projeto.
A diferença, então, entre a rearquitetura e a reforma está no cuidado com que se deve ter com a obra original e, importante dizer, no respeito aos seus autores. Conhecer e analisar profundamente o lugar da intervenção, pesquisar as circunstâncias da obra e seu autor são as primeiras providências necessárias. A segunda, já foi dito, é se investir de um papel de segundo autor, buscando fazer um trabalho de coautoria ainda que o primeiro autor não esteja presente. Esse é um exercício difícil, que exige bastante sensibilidade e humildade, mas é muito gratificante quando o arquiteto sente que encontrou o “fio” que vai fazer com que o que é antigo e o que é novo se fundam numa arquitetura que já não é a antiga e também não será nova. Será a arquitetura da permanência.
É importante ressaltar que restauração de imóveis antigos, tombados ou não, é uma modalidade de trabalho totalmente diferente da rearquitetura. Aqui, o arquiteto deve “desaparecer” em favor do primeiro autor. Ele em princípio não deve fazer contribuições autorais, mas se necessárias, elas devem ser feitas da maneira o mais discreta e invisível possível, sempre em favor da arquitetura original.
Não poderia terminar sem falar do retrofit, termo inglês que se popularizou por aqui, e que significa uma atualização do edifício para que ele responda às necessidades contemporâneas de segurança, conforto e comodidade. No limite, se bem feito, equivale à uma restauração, já que deve — ou deveria! — respeitar a arquitetura original do edifício. Na prática, se vê coisas horríveis sendo realizada em seu nome, mais parecendo cirurgias plásticas de rejuvenescimento mal feitas. Falo da substituição de revestimentos antigos por placas de alumínio ou porcelanatos, desrespeito ao desenho de esquadrias e outras barbaridades que tentam fazer o edifício parecer ter uma idade que não tem.
Considero que, em se tratando de edificações existentes, bastam as definições de restauro, rearquitetura e reforma que tem no lastro da autoria de projeto a precisão do significado de cada uma. O retrofit é um misto de todas elas e, infelizmente, abriu caminho para muito pastiche. O mais importante, finalmente, é que saibamos, arquitetos e sociedade, discernir a melhor opção a ser usada diante desse patrimônio infinito que já construímos em nossas cidades.