Duas coisas chamam a atenção na entrevista do ex-ministro da Secom no governo Dilma Rousseff, ex-prefeito de Araraquara e candidato preferencial de Lula para suceder Gleisi Hoffmann na presidência do PT, Edinho Silva, publicada no Globo deste domingo, 3 de novembro.
A primeira: nem uma palavra sobre os índices de abstenção e de votos nulos e brancos, que em inúmeras cidades – Porto Alegre, São Paulo e Belo Horizonte entre elas – superaram o número de votos do candidato eleito.
A outra: Edinho aponta, como fator decisivo para a derrota do PT na cidade que ele já administrou, a influência dos Bolsonaro e a participação de políticos que, comparados com ele, são focas, iniciantes na política. Olha o que o Edinho falou:
– Nós conseguimos segurar a polarização aqui, até a reta final da campanha mantivemos o debate de propostas. Mas na última semana, tivemos aqui o Nikolas (Ferreira), a Michelle, o Eduardo, live do Bolsonaro, vídeo do Bolsonaro. Nenhuma outra cidade do interior de São Paulo viveu isso. Eles trouxeram a polarização para a cena, com ataques misóginos contra a nossa candidata. E o eleitor indeciso migrou para o bolsonarismo, assim como os candidatos de direita que não tinham força.
Eu até lembrei de uma declaração do Romário respondendo a um técnico do Fluminense que o colocava em segundo plano em relação a Ronaldinho: ele nunca jogou nada, nunca ganhou nada, tá chegando agora e quer lugar na janela??
Pois, a mim, parece que o experiente Edinho Silva deu lugar na janela, principalmente para quem está recém chegando: Nikolas Ferreira, deputado federal em primeiro mandato, e Michelle, cuja única credencial é a de primeira dama… Parece uma confissão de falta de argumentos para combater o discurso antissistema dos conservadores que ganha cada vez mais corações e mentes nas classes médias e até mesmo entre os jovens.
Preferido de Lula para assumir a presidência do PT, Edinho reconhece que o PT precisa entender melhor o que ele chama de “conjuntura complicada”, compreender o que quer a juventude, se abrir mais para o diálogo e unir “o campo democrático para que se reforme o Estado brasileiro”.
Para combater o discurso antissistema, Edinho defende uma reforma eleitoral que leve as pessoas a votarem em partidos e não em pessoas, como defendem – com sucesso – os antipolítica. E essa reforma é urgente, ou teremos cada vez mais abstenção e votos nulos e brancos.
Se a preferência de Lula prevalecer e Edinho virar presidente do PT, poderá praticar a experiência de quem já comandou a comunicação do governo e levar o partido ao encontro da sociedade para alcançar o que ele propõe na entrevista ao Globo:
– Temos que unir o campo democrático para que se reforme o Estado brasileiro, trazer essa parcela da sociedade. Ela já disse isso para nós em 2018, em 2020, em 2024. Então, ela já não está dizendo, está gritando. Nós temos que parar e ouvir.
Colocado diante da informação de que dentro do governo há quem ache ruim a comunicação – e que até o presidente Lula concordaria com isso – Edinho diz que o problema não está na Secom e que a dificuldade é a unificação do discurso. “Se você pegar um dia que tenha algum assunto importante e listar cinco, seis ministros, você vai ver cada um falando uma coisa diferente”, diz o ex-ministro da Secom.
Mas, em seguida, mesmo sem querer, ou inconscientemente, empurra o problema para a Secom ao afirmar que “ainda não se conseguiu unificar o governo numa linha”.
Reformar o sistema eleitoral, unificar o discurso do governo e comunicar com eficácia e eficiência. Edinho Silva – venha ele a ser presidente do PT, ou não – tem a receita para fazer o eleitorado voltar a crer que a política vale a pena e dar instrumentos para que o governo enfrente a narrativa da direita e dos conservadores que tanto êxito tiveram nas eleições municipais.
Tarefa difícil. Afinal, partidos ocupantes de importantes ministérios, como o PP, o MDB, o PSD, o União Brasil e o Republicanos, apoiaram e até formaram mais chapas com partidos de direita do que com a frente de esquerda (PT, PC do B, PV) que ganhou a eleição em 2022 com Lula.
Foto da Capa: Antonio Cruz / Agência Brasil
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