Voltei ontem, ainda que virtualmente, como faço quase todos os dias desde alguns anos, ao Menino Deus, bairro que deixei lá nos idos de 1980 quando vim para Brasília. E fiquei mais convencido ainda de que podemos usar as redes sociais para o bem.
Encontrei velhos conhecidos. Hiranzinho – o melhor lateral esquerdo do futebol de praia gaúcho – e Adilson, craque peladeiro e do futebol de salão – é… ele é anterior ao futsal de hoje – estavam ali onde dois Gonçalves, o almirante e o poeta de sobrenome Dias, se encontram.
Era dia do churrasco de fim de ano do bar que recebe amigos – mais que fregueses – naquela esquina e o Adilson postou uma foto no nosso grupo no WhatsApp. Lá estava, de pé, o Hiranzinho.
Na ponta da mesa, se destacava um cidadão de terno cinza, camisa social azul e até colete! Alguém se lembra do tempo em que se usava colete? A figura usava um colete em pleno sábado, na mesa do boteco… Elegância para ninguém botar defeito.
O autor do post perguntava e dava uma dica: quem conhece o cidadão? Ele jogou no Inter.
Outro integrante do grupo, o Zé Mauro, me provocou, duvidando que eu conhecesse a figura…
Recuei 63 anos e, meio duvidando da minha própria memória, respondi: jogava na defesa, o nome dele é Alcy…
Adilson voltou: Ah! Agora sim. Alcy (não sei se com i ou com y, consultem o Dr. G). Alci Marta de Freitas, mais conhecido como KIM.
92 anos, uma elegância para um churrasco, uma gentileza e uma doçura pra contar histórias vividas! Sensacional, figuraça!
E eu voltei no tempo. Em 1961, o Grêmio era pentacampeão gaúcho e estava prestes a igualar o hexa do colorado, que já tinha 16 anos. Nem precisei consultar o Dr. G, como propôs o Adilson.
Lembrei do time chamado, provocativamente, de Campeão do Hexa Deles nas faixas carregadas pela torcida colorada no carnaval da vitória que saiu do Estádio dos Eucaliptos e ocupou toda a Avenida Getúlio Vargas:
Silveira, Zangão, Ari, Kim (o elegante do churrasco de sábado) e Ezequiel, Sérgio Lopes e Oswaldinho, Sapiranga, Alfeu, Flavio e Gilberto. O placar do jogo final foi um 2 x 1 no Floriano, de Novo Hamburgo (grato, Dr.G).
Que bom seria se todos fizéssemos esse bom uso das redes sociais! Soa até meio piegas essa aspiração. Mas as aspirações populares (ou seriam as pirações populares?), à primeira vista, quase sempre parecem românticas, sentimentais, simplistas, não é mesmo?
Afinal, a gente vota esperando que o eleito tenha, sempre, como prioridade, o bem comum, a melhoria de vida, a redução das desigualdades, a defesa intransigente da liberdade… o povo até paga imposto esperando que a grana seja devolvida na forma de bons serviços de saúde, educação e segurança. Então, não custa sonhar que, um dia, todo mundo faça bom uso das redes sociais. E bom uso não quer dizer interditar qualquer assunto. Afinal, óbvio, é impossível dizer o que cada dono de telefone celular (já tem mais celular que gente no Brasil), para ficar só nesse instrumento de comunicação, pode, ou não pode, transmitir a quem quer que seja, ou que tipo de comentário pode publicar em qualquer portal de notícias, grupo de mensagens, ou em qualquer outro veículo desses abertos a todo mundo.
Hoje, todo dono de um celular, de um computador, qualquer um que tenha acesso à Internet, é dono, também, de um veículo de comunicação. E todos têm absoluto direito de debater o que bem lhes convier e julgar da maneira que mais agrade à própria consciência os fatos que mexem com a sua vida e as atitudes de quem quer que seja.
Portanto, censura jamais. Mas, creio, até porque não queremos censura nunca mais, que regulamentar é preciso. Já há tempos, a bancada dos que fazem mau uso das redes sociais interdita o debate sobre a regulamentação das redes sociais na Câmara dos Deputados. Um projeto com esse fim dorme em alguma gaveta por lá. A demora dos deputados em fazer o que lhes compete – regulamentar o funcionamento das plataformas na Internet – significa que o Supremo Tribunal Federal vai fazer o serviço. O STF está julgando processos que vão definir responsabilidades pela publicação de mentiras, incentivo ao ódio e ataques à democracia nas redes sociais.
Se quem legisla não faz o que deve, o Judiciário, que julga, faz. E depois não adianta reclamar de ativismo do STF.
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Fotos: Acervo do Autor.