No dia 20 de dezembro recente, foi promulgada pelo Congresso Nacional a Reforma Tributária, que modificará substancialmente o sistema tributário nacional, ou seja, a forma como os tributos serão arrecadados, sua divisão entre os três níveis de governo (federal, estadual e municipal), e quem suportará o ônus de uma das maiores cargas tributárias do mundo. O objetivo dessa reforma é aumentar a arrecadação para a realização de melhorias na área de infraestrutura, custear serviços públicos e ter receita para pagar os servidores.
Conforme se lê no site do Senado e em várias outras mídias, essa reforma está sendo vista pelo governo como uma grande conquista para o povo brasileiro, a previsão de aumento na arrecadação é tão boa, que até mesmo a classificação de risco Standard & Poor’s (S&P) elevou a nota de crédito do Brasil para BB, com perspectiva “estável”, o que é ótimo para atrair investimentos, captar financiamento, e alavancar a economia .
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, chegou a declarar durante a sessão de promulgação da Emenda Constitucional132/2021, que é referente à PEC 45/2019, que foi uma “sessão histórica” para o Brasil, que “o Congresso Nacional se dedicou incansavelmente para dar a sua contribuição nessa reforma aguardada há décadas”.
A reforma é complexa, pois abarca muitas coisas tais como renda, patrimônio, trabalho e consumo , e isso impacta as esferas de poder e a divisão do que for arrecadado. Vou me ater à modificação mais importante que foi a criação de um imposto sobre Valor Adicionado (IVA) dual, que é composto por dois tributos, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) adiante explicados.
Desse modo, foi previsto no Artigo 156-A da Constituição Federal (CF), o Imposto de Competência Compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios, e no Artigo 196, inciso V da CF, foi instituída a CBS.
Essa modificação constitucional afeta diretamente os impostos sobre consumo, ou seja, os tributos que são repassados pelas empresas para os consumidores na hora em que eles pagam o preço na aquisição de bens e serviços. Essa alteração na tributação dos impostos sobre o consumo é o “ponto nevrálgico” da reforma tributária, que escolheu o povão para pagar a conta final, pois é ele que de uma forma geral gasta quase todos os seus rendimentos na compra de alimentos, vestuário e em serviços, ainda que esteja prevista na PEC que “Lei complementar definirá os produtos destinados à alimentação humana que comporão a Cesta Básica Nacional de Alimentos, sobre os quais as alíquotas dos tributos previstos nos artigos 156-A e 195, V, da Constituição Federal serão reduzidas a zero”.
Na realidade, os abastados e ricos pouco sentirão os efeitos negativos da reforma tributária, pois a maior parte dos seus rendimentos são direcionados a investimentos financeiros, investimentos nas bolsas, aquisição de imóveis. Os gastos do dia a dia não são algo que lhes dê muita preocupação. A meu ver, parece que a reforma seria mais justa se onerasse os ricos como acontece na França, na Suíça e na Dinamarca, por exemplo. Poderia também ter tratado sobre o imposto sobre grandes fortunas, ou se voltado para a tributação das grandes heranças, mas infelizmente o Brasil é um país bem mais amigável para os ricos do que para os pobres.
Na França, por exemplo, as alíquotas do Imposto de Renda pessoa física, chegam a 45%, com um IVA máximo de 20%, na Suíça o Imposto de Renda retido na fonte chega a 35%, com um IVA de 7,7%. A tributação sobre herança na França pode chegar a 45%. Esses são países que optaram claramente por tributar os mais ricos ao invés dos mais pobres, ao contrário do que acabou de acontecer no Brasil, em que os pobres e prestadores de serviços são os que mais suportarão o ônus da arrecadação. Veja-se que, no Brasil, a taxa padrão projetada pelo Ministério da Fazenda é de 27,5% após a reforma. Essa taxação é uma das mais altas do mundo, sendo que entre 170 países que utilizam essa modalidade de tributação a taxa média é de 15.9%.
Voltando à reforma tributária, o ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação) e o ISS (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza) serão substituídos pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que será gerido pelos estados e municípios. O IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), não deixou de existir, como chegou a ser proposto, mas ele será um imposto seletivo, ou seja, incidirá apenas sobre alguns produtos, especificamente sobre aqueles que são produzidos fora da Zona Franca de Manaus, mas que também são produzidos dentro dela.
Nessas circunstâncias, a Emenda Constitucional, dentre as diversas estipulações inseridas na Constituição Federal (CF), referentes à reforma tributária, determinou que “Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços (IBS), de competência compartilhada entre Estados, Distrito, Federal e Municípios”, que “será informado pelo princípio da neutralidade e atenderá ao seguinte:
“I – incidirá sobre operações com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou com serviços;
II – incidirá também sobre a importação de bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou de serviços realizada por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja sujeito passivo habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade;
III – não incidirá sobre as exportações, assegurados ao exportador a manutenção e o aproveitamento dos créditos relativos às operações nas quais seja adquirente de bem material ou imaterial, inclusive direitos, ou serviço…;
IV – terá legislação única e uniforme em todo o território nacional, ressalvado o disposto no inciso V;
V – cada ente federativo fixará sua alíquota própria por lei específica
VI – a alíquota fixada pelo ente federativo na forma do inciso V será a mesma para todas as operações com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou com serviços, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Constituição;
VII – será cobrado pelo somatório das alíquotas do Estado e do Município de destino da operação;
VIII – será não cumulativo, compensando-se o imposto devido pelo contribuinte com o montante cobrado sobre todas as operações nas quais seja adquirente de bem material ou imaterial, inclusive direito, ou de serviço, excetuadas exclusivamente as consideradas de uso ou consumo pessoal especificadas em lei complementar e as hipóteses previstas nesta Constituição;
IX – não integrará sua própria base de cálculo nem a dos tributos previstos nos arts. 153, VIII, e 195, I, “b”, IV e V, e da contribuição para o Programa de Integração Social de que trata o art. 239;
X – não será objeto de concessão de incentivos e benefícios financeiros ou fiscais relativos ao imposto ou de regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação, excetuadas as hipóteses previstas nesta Constituição;
XI – não incidirá nas prestações de serviço de comunicação nas modalidades de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita;
XII – resolução do Senado Federal fixará alíquota de referência do imposto para cada esfera federativa, nos termos de lei complementar, que será aplicada se outra não houver sido estabelecida pelo próprio ente federativo;
XIII – sempre que possível, terá seu valor informado, de forma específica, no respectivo documento fiscal.”
Outrossim, também é relevante salientar que a CBS, que será gerida pela União, substituirá o PIS (Programa de Integração Social) e a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), que são tributos federais.
Mas o fato de a reforma tributária ter sido promulgada não quer dizer que essas mudanças todas já estejam na prática funcionando a todo vapor. Seria inviável uma mudança dessa magnitude sem uma complexa regulamentação e muitas adequações, inclusive operacionais, por parte dos entes federativos. Haverá um período de transição de muitos anos, sendo que essa nova forma de tributação começará em 2026 e só terminará em 2033. Em 2029 iniciará a transição para a cobrança do imposto no local de destino, que somente estará concluída em 2078, data essa que me parece não fazer o menor sentido, pois provavelmente muitas mudanças tributárias ocorrerão em 50 (cinquenta) anos, o mundo será outro. A partir de 2027 serão cobrados os impostos sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, bem como a contribuição sobre bens serviços, ambos de acordo com o que for definido em lei complementar, e já chamado por alguns como o “imposto do pecado”.
Para as empresas e sob o ponto de vista de arrecadação fiscal, realmente parece que essa reforma tributária será muito útil, e, sem dúvida, se bem administrada, essa arrecadação toda poderá trazer vários benefícios… Mesmo assim, eu não sei o que mais me surpreende, se é a extrema direita ser contra uma reforma tributária que me parece bem alinhada com ela, ou se é a esquerda apoiar e implantar uma reforma tributária em que os mais pobres e os prestadores de serviços serão consideravelmente mais afetados pelo aumento da carga tributária. Coisas do Brasil…
Foto da Capa: Fernando Frazão | Agência Brasil