Roque Santeiro, escultor de imagens sacras, morreu defendendo o seu canto, Asa Branca, da quadrilha do perigoso Navalhada. A viúva de Roque, Porcina, mantinha viva a história do marido.
A novela das 8, de 1985, sofre uma reviravolta quando Roque Santeiro retorna vivo para Asa Branca e Porcina, vivida por Regina Duarte, se torna a viúva “que foi sem nunca ter sido”.
Porcina era dissimulada, tinha uma risada intensa, era caricata, engraçada, má, poderosa, sensual, mentirosa, tudo ao mesmo tempo, uma vilã que transitava entre o amor e o ódio dos espectadores. A novela girava em torno do talento daquela mulher fantástica.
A novela Minha Doce Namorada transformou Regina Duarte na namoradinha do Brasil. Papeis marcantes em Selva de Pedra, que teve incríveis 100% de audiência, Malu Mulher, Rainha da Sucata, entre tantos outros, fizeram sua trajetória se confundir com a da teledramaturgia brasileira.
A namoradinha do Brasil sempre foi ativa na política, participando das lutas pela Anistia e Diretas.
Nas primeiras eleições municipais depois da redemocratização, participou da campanha de FHC para a prefeitura paulista combatendo o PT: “Eu acho que a gente tem que fazer isso para impedir que as forças da corrupção e da ditadura voltem a se juntar e destruam a nossa frágil democracia. Gente, não vamos nos iludir nesse momento. Votar em Suplicy é ajudar o Jânio”.
Em 2002, ao invés de Suplicy, foi Lula a causa da apreensão da atriz, que gravou um vídeo para a campanha de José Serra dizendo que tinha medo da vitória do petista. De novo com medo da esquerda, em 2018 fez campanha para Jair Bolsonaro.
Regina Duarte assumiu a Secretaria Especial da Cultura após a demissão do seu antecessor Roberto Alvim. Porcina não ficou com medo de assumir o cargo de alguém demitido por fazer apologia ao nazismo, nem de participar do governo que havia extinguido o Ministério da Cultura.
Regina classificou seu Jair, em entrevista ao Estadão, como “um cara doce, um homem dos anos 1950, como meu pai, e que faz brincadeiras homofóbicas, mas é da boca pra fora, um jeito masculino”.
Em conversa com Bial, RD já havia dito que “embora tenha tido atitudes de vanguarda, sempre fui e continuo conservadora”, confirmando sua aptidão para a equipe do governo bolsonarista.
“Pipa no céu, palavrão, tatuagem, arroz com feijão, farofa de mandioca, pastel de feira, pão de queijo, caipirinha, de maracujá! Chimarrão, culto, missa das dez, desafio repentista, forró… E aquele pum produzido com talco espirrando do traseiro do palhaço… Fazendo a risadaria feliz da criançada? Cultura é assim, é feita de palhaçada!” Discursou na posse.
No papel de Regina Duarte, a Secretária Especial da Cultura disse à CNN que se dava muita importância às mortes na ditadura militar, e depois de uma risada disparou: “Cara, desculpa, eu vou falar uma coisa assim: na humanidade, não para de morrer. Você fala vida, do lado tem morte”, sobre a tortura no período, disse: “tá bom, mas sempre houve tortura”.
Dez dias após a entrevista, pediu exoneração, mas continuou interpretando a si mesma quando defendeu o uso da cloroquina pra tratar a COVID; mentiu que Marisa Letícia tinha R$ 256 milhões nas suas contas e compartilhou um vídeo dizendo que os judeus se sujeitaram mansamente ao holocausto.
Segundo Regina, Alexandre de Moraes, que não estava na posse de Lula, entregou uma “faixa fake para o ladrão pousar (sic) de presidente!”.
Nesta semana, a namoradinha do Brasil cravou que os yanomamis mostrados pela imprensa morrendo de fome, doença e envenenamento, na verdade eram venezuelanos usados para prejudicar o governo do seu Jair e, também, aproveitou para tirar um sarro com as 590 crianças mortas dizendo que deveriam estar bem alimentadas com “mandioca, feijão, verduras e peixe”.
A maioria das famílias brasileiras possui uma Regina Duarte interpretando a si mesma no Circo de Horrores da extrema direita bolsonarista. Pessoas que perderam completamente o contato com a realidade e nadam no chorume das mentiras e teorias da conspiração.
Ou vocês acham que as pessoas pedindo intervenção militar pra ETs, ou rezando pra pneus, são filhos de chocadeira? Os protagonistas da desgraça bolsonarista são seus vizinhos, colegas de trabalho, amigos do clube. Essa turma lembra aqueles seguidores de Jim Jones indo com os filhos para a Guiana tomar veneno para poder embarcar na nave de luz que os levaria para o paraíso (isso que lá Jim Jones também tomou o mesmo “suco de uva” ao invés de ir pra Orlando!).
Exagero? Esta semana um bolsonarista se suicidou na frente do STF gritando “Morte ao Xandão”.
Os zumbis são diariamente desmentidos pelos fatos e, paradoxalmente, isso reforça mais o seu fanatismo. Na última eleição norte-americana, a extrema direita divulgava o fechamento do espaço aéreo, prisão de Biden, impedimento da posse, e os dias passavam, nada disse acontecia, e as pessoas continuavam acreditando ainda com mais ardor na enxurrada de mentiras.
Bolsonarista é como o Super Mário: pula em uma nuvem de fake news e começa a afundar lentamente na realidade, mas, antes de cair, então pula para outra nuvem, e outra, em um loop infinito, tão rápido e desafiador que nem dá tempo de perceber que tudo que falou e defendeu era mentira.
A fake news da extrema direita é produzida em escala industrial, pois se não pode permitir que a realidade dê as caras, o zumbi precisa estar sempre sendo desafiado pelos riscos de uma nova mamadeira de piroca, comunismo internacional, da gayzificação em massa das crianças, ideologia de gênero, fechamento de igrejas…
O frenesi não permite refletir-se, em três mandatos e meio do PT, alguma criança chegou da escola com uma mamadeira de piroca na lancheira travestido de drag queen, se colocaram uma família de venezuelanos para morar na sua sala ou hordas vermelhas incendiavam igrejas. Tudo é falso, construído a partir de fragmentos, por exemplo, de uma peça de teatro onde os atores colocavam o dedo no toba do colega, de alguém fumando maconha em uma Federal, exceções que se tornam a regra e passam a ressignificar o mundo.
Então as pessoas começam a se afastar da família e dos amigos e entram pra seita daqueles dos que tiveram a epifania de que a GloboLixo mente e a verdade será revelada pelo blogueiro Alan dos Santos, que defende que a masturbação mata os neurônios.
A solidão desaparece, as redes sociais lotam de amigos que também conhecem a verdade, e o sentido de pertencimento substitui a ausência dos filhos, o afastamento da turma da faculdade, e o vazio da aposentadoria.
Os iniciados são alertados que os comunistas e alienados vão dizer que ele está enlouquecendo, delirando, mentindo, mas isso apenas é preço a pagar de quem tomou a red pill e viu o mundo como ele. O bolsonarista é a Eva que colheu a Red Pill na árvore do conhecimento depois de conversar com a serpente do Olavo de Carvalho.
“Disse a serpente à mulher: Certamente não morrerão! Deus sabe que, no dia em que dele comerem, seus olhos se abrirão, e vocês serão como Deus, conhecedores do bem e do mal”. (Gênesis 3:1–5)
A partir daqui tudo passa a ser permitido, debochar do holocausto, de crianças yanomamis mortas de fome, de torturados e assassinados na ditadura, porque nada daquilo existe ou, se existe, está justificado na luta contra o mal.
Ensimesmada no delírio e na mentira, a pessoa que você conheceu é um corpo físico olhando a tela do celular no sofá da sala, enquanto a alma vaga na cloaca da extrema direita, raptada em alguma rede social ou grupo de WhatsApp.
A vida imitou a arte e Regina Duarte se tornou o ser humano “que foi sem nunca ter sido”.