Em tempos de crise, as relações humanas enfrentam desafios profundos e inesperados. A pandemia de COVID-19 e os desastres naturais subsequentes trouxeram à tona a fragilidade dessas redes, expondo não apenas as vulnerabilidades individuais, mas também as coletivas, que moldam nossa sociedade. O que antes era um apoio inabalável em momentos difíceis tornou-se, para muitos, um terreno de incertezas e polarizações. Este texto explora como a resiliência pode ser restaurada e fortalecida em meio a essas adversidades, destacando a importância de promover uma cultura de diálogo, empatia e valorização das experiências positivas, essencial para superar as cicatrizes restantes pelas crises recentes.
Assim, partindo da premissa que somos seres inerentemente sociais, relacionamentos significativos não apenas proporcionam apoio em tempos de crise, mas também ampliam experiências positivas. Estas conexões são fundamentais para nosso bem-estar e resiliência.
Permito-me a tecer algumas considerações sobre evidências que percebo dia a dia, desde a reclusão, afastamento físico e o ambiente de medo, de insegurança sobre o que era veiculado nas mídias, sobre a perdas de pessoas próximas, a ansiedade com sua recuperação e a felicidade com sua cura; sentimentos distintos, vividos concomitantemente durante o período da crise.
Atualmente, estamos vivendo uma nova época, em que é provável que as relações pessoais, na maioria das vezes, não fluam adequadamente, devido aos diferentes impactos que cada pessoa sofreu desde o período da pandemia, diante das mudanças provocadas e dos efeitos deixados.
Muitos, ainda impactados pelas perdas, medos não vencidos ou sequelas adquiridas, continuam fragilizados e sentem-se mais oprimidos com as notícias das grandes devastações decorrentes de terremotos, tempestades, ciclones, inundações, quebras de barreiras naturais que vêm ocorrendo no mundo todo. A eles agregam-se muitas pessoas que, ou não entenderem ainda o motivo disso tudo ocorrer, ou, conscientes, não conseguem, pelo menos, sensibilizar seus pares e autoridades para olhar as causas do que vem acontecendo e agirem de forma mais resolutiva.
Em Porto Alegre, em especial, desde setembro do ano passado, as enchentes deixaram um rastro devastador, surpreendendo alguns e confirmando previsões de outros e, o que mais impacta, é ter fragilizado muito mais pessoas, das quais ainda não recuperadas dos efeitos da COVID-19.
Uma polarização acirrada se intensificou entre grande parte dos porto-alegrenses. O que ficou evidente na predominância da dificuldade de dar e receber feedback, entre os tantos demais comportamentos de tristeza, angústia, desorientação, surpresa, medos…
Em vez de entender que o feedback, seja uma crítica ou um elogio, destina-se ao desenvolvimento pessoal, profissional, ao encaminhamento de reflexões necessárias para minimizar danos ou para aproveitar as oportunidades, grande parte das vezes a conversa foi levada para o lado pessoal, o que gerou conflitos ainda maiores e continua dificultando os processos de dialogar e de encaminhar soluções.
Outro aspecto, ainda impactante, está na diferença de visão quanto às soluções que os diferentes grupos sociais e políticos têm para os acontecidos. Esta falta de encaminhamentos para convergência, retarda tomada de decisões e obtenção de resultados ao longo do tempo. Em vez de rápidas e objetivas reuniões, realizam-se longos e intermináveis eventos que sempre requerem mais e mais outros, na busca de um de caráter mais decisório, tornando os direcionamentos mais complexos e demorados. Não que os problemas enfrentados sejam simples. O que é preciso é que confianças sejam restabelecidas e soluções, mesmo que iniciais, sejam mais rapidamente efetivadas. Percebe-se que algumas lideranças, públicas e privadas, não têm essa clareza, e isso leva a equipes ou pessoas desmotivadas, menos produtivas e que não sabem exatamente qual é a direção a seguir.
Por outro lado, creio que ainda não estamos acostumados a uma cultura do elogio e da honra. Na maioria das vezes apontam-se apenas os aspectos, as situações causadoras de desconformidades e não tratamos paralelamente as realizações cujos resultados trouxeram impactos positivos.
Um dos principais conceitos desenvolvidos pelo psicólogo Martin Seligman, fundador da psicologia positiva, é a importância de focar e valorizar os aspectos positivos da vida, em vez de desenvolver a negatividade, a intolerância e a falta de diálogo. Segundo Seligman, o fortalecimento de emoções e experiências positivas contribui para o desenvolvimento da resiliência, tornando as pessoas mais capazes de enfrentar adversidades.
Ele argumenta que, ao concentrar-se no que há de bom, seja nas relações pessoais ou nas respostas às crises, podemos promover o bem-estar, incentivar a cooperação e reduzir os conflitos. Essa abordagem positiva não só ajuda a superar momentos difíceis, mas também fortalece as conexões sociais e fomenta um ambiente mais saudável e produtivo, onde o diálogo e a empatia prevalecem sobre a polarização e o ressentimento.
Aplicar esses princípios no contexto atual é essencial para curar as feridas deixadas pela pandemia e pelos desastres recentes, permitindo que a sociedade avance.
Diante dos desafios impostos pela pandemia de COVID-19 e dos desastres subsequentes, fica evidente que a resiliência e a superação dos impactos emocionais e sociais impedem uma mudança de perspectiva. A fragilidade das relações em tempos de crise, acentuada pela polarização e pela falta de diálogo, só poderá ser superada por meio de um esforço coletivo para restaurar a confiança e promover a valorização das experiências positivas. A aplicação dos princípios da psicologia positiva, como sugerido por Martin Seligman, pode ser o caminho para fortalecer nossas conexões sociais, permitindo que, juntos, superemos os desafios e construamos uma sociedade mais unida, empática e preparada para enfrentar as adversidades futuras. A busca por soluções deve ser abordada pela valorização da cooperação e do feedback construtivo, fundamentais para a proteção das relações e para o avanço em direção a uma cultura de paz.
Com estes registros, buscamos destacar a importância de compreender e abordar os impactos emocionais e sociais causados pelas crises e pelos desastres naturais. A superação desses desafios depende da capacidade de restabelecer a confiança, promover uma comunicação eficaz e desenvolver uma cultura de apoio e reconhecimento. Ações coordenadas e decisões resolutivas são essenciais para fortalecer as relações sociais e construir uma sociedade mais resiliente, mais humana e resolutiva.
Rita Maria Silvia Carnevale é articuladora do POA Inquieta (spin *Articuladores, Educação, Boa Política), Mestre em Administração de Empresas, pela UFRGS. Aposentada, trabalha como pesquisadora e consultora de Desenvolvimento de Pessoas, Governança e Gestão, em especial de instituições de educação. Participa do Conselho Municipal de Inovação, Ciência e Tecnologia de Porto Alegre – COMCET. É mentora de um jovem do Projeto Pescar.
Foto da Capa: Freepik
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