Os termos importam. Faz semanas que estamos discutindo sobre algumas noções e conceitos associados à justiça climática. Nesse grupo de estudos, as discussões buscam trazer diferentes facetas de um termo que passa a entrar nas rodas de conversa. Esse grupo, em especial, tem como missão aumentar o nível de consciência das pessoas e, por conseguinte, construir um novo sistema social. Nessa etapa, o objetivo é capturar um conteúdo hermético, como o científico, e traduzi-lo de modo mais didático, e mais, que possibilite uma reflexão crítica.
Um termo que nos vem incomodando: o da resiliência. Resiliência é um termo oriundo da engenharia, em especial, dos estudos sobre os tipos de resistência de materiais. Por exemplo, realizam-se testes de laboratórios para medir a quantidade de pressão que um bloco de cimento suporta antes de se romper. A resiliência de um dado material pode ser entendido como a capacidade daquele material (um tijolo ou uma coluna de sustentação de um prédio) suportar pressões sucessivas e sem que haja uma ruptura.
Voltemos à justiça climática. Em 1973, segundo o pesquisador Crawford Holling, o termo resiliência foi originalmente formulado como um desafio à mentalidade de Engenharia que buscava manter a estabilidade de uma ordem existente. Mas, com a pauta climática, o termo começou a ser utilizado em guias e manuais de grandes corporações. Frase do tipo: “Precisamos ser resilientes” e “O planeta necessita de processos resilientes para superar a crise climática” começaram a brotar nos espaços de marketing e nos políticos. Em 2014, a pesquisadora, Sara Nelson, lança luz sobre essa noção em uma crítica à ideologia neoliberal. Ela argumenta que a resiliência é um novo pacote para velhas técnicas de governança neoliberal. Esse argumento é reforçado por outra dupla de pesquisadores, Caitlin Jones e Tyler McCreary. Em 2022, ao estudarem como as sociedades são ordenadas pelas indústrias do carro, da estrada, do concreto e do aço, eles compreenderam a relação entre o atual ordenamento de pessoas alienadas ou manipuladas e as em posição de poder econômico. Vivemos em um Estado de Zumbilândia.
Esse novo pacote neoliberal tem uma gramática, uma linguagem, uma sintaxe e um léxico. Os termos importam. A velha ordem no poder busca realizar sua posição de privilégios mesmo em um mundo moribundo com sindemias (conjunto de pandemias síncronas), crises de todas as formas e oxidação das condições sociais, humanas e não humanas em várias escalas. Algumas correntes teóricas argumentam que estamos caminhando para a Sexta Extinção em Massa, mas essa causada pelo Amor ao Capital: “Capital acima de Tudo, Privilégio para Poucos e Degradação para Muitos”. Vimos isso no Brasil recentemente — um país governado por uma ultradireita orientado por uma ideologia neoliberal.
Enfim, a ideologia da resiliência é uma política de domesticação de corpos e mentes. Uma política tão potente de busca produzir pessoas dóceis e domesticadas. Pessoas que não lutem por mudanças estruturais no sistema no qual estamos inseridos. No Brasil não é diferente. A discussão sobre justiça climática nos fez refletir como o termo “resiliência” está sendo mobilizado como doce para crianças.
Aos revolucionários sociais não há a necessidade de exercitar a resiliência, mas o empenho de propor alterações estruturantes e estruturadoras para que novos mundos sejam possíveis e viáveis. É necessária uma nova abordagem em relação ao mundo: novas utopias realistas inscritas no presente para o presente, utopias contra as atuais ideologias distópicas dominantes. Os neoliberais são contrarrevolucionários, pois não desejam nenhum tipo de mudança em seus estilos de vida nem em seus privilégios. Neoliberais são contra qualquer tipo de revolução em um sistema que opera e mantém os níveis de desigualdades sociais. Desigualdades sociais e ecológicas crescentes com mais e mais eventos climáticos extremos. Mas os efeitos da atual mudança climática não é igual para todos os seres humanos. Os termos importam. Então, deixo a reflexão: Resiliência para quem? Para orientar quais interesses? E para proteger quais privilégios?
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Leituras críticas indicadas:
- Holling, C. 1973. “Resilience and stability of ecological systems”. Annual Review of Ecology and Systematics 4: 1–23. doi:10.1146/annurev.es.04.110173.000245.
- Nelson, S. 2014. “Resilience and the neoliberal counter-revolution: from ecologies of control to production of the common”. Resilience 2(1): 1‒17. doi:10.1080/ 21693293.2014.872456.
- Jones, C. & T. McCreary 2022. “Zombie automobility”. Mobilities 17(1): 19–36. doi:10.1080/ 17450101.2021.1940245.
- Salmi, F.; Canova, M. A.; Padgurschi, M. C. G. Ética climática, (in)justiças e limitações do Pagamento por Serviços Ambientais no Brasil. Ambiente & Sociedade, v. 26, p. 1-21, 2023. doi
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