Na segunda semana de março, estive em dois eventos diferentes, mas que se complementam, com relação a desastres. De 11 a 13 de março, foi realizado o Workshop de Preparação e Mitigação de Desastres Climáticos, promovido pela Defesa Civil de Porto Alegre. O evento foi para um público restrito, no auditório da Farsul (o que é um avanço significativo, pois a federação está ciente de que as mudanças climáticas estão afetando o setor).
Já na sexta, dia 14, a proposta foi grandiosa, no salão de atos da UFRGS. O seminário científico RS Resiliência e Sustentabilidade trouxe diversos estudos que foram feitos por pesquisadores gaúchos após os episódios de enxurradas, enchentes e tempestades de maio do ano passado.
Vale lembrar que o RS é um dos estados mais suscetíveis a desastres do país. Na quarta, dia 19, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), por meio da Defesa Civil Nacional, reconheceu 28 municípios em situação de emergência por distintos motivos.
Boa parte deles, no Rio Grande do Sul. Vejam só: sofrem com estiagem Ametista do Sul, Augusto Pestana, Barros Cassal, Cristal do Sul, Encruzilhada do Sul, Mato Queimado, Muitos Capões, Paim Filho, Restinga Seca, Ronda Alta, São Luiz Gonzaga e Sete de Setembro. Já as fortes chuvas trouxeram problemas para Salvador do Sul. E Tavares, foi decretada emergência devido à queda de granizo.
Tudo comunica
Os dois eventos foram muito elucidativos para mim, devido a minha pesquisa do quanto a comunicação é tratada nos vários lados que envolvem esse tema. Confesso que a linha tênue entre ser pesquisadora, jornalista, cronista e afetada pela enchente tem sido um desafio enorme. Muitas hipóteses surgem, constatações que me levam a tirar conclusões como jornalista, mas que, devido ao meu processo de pesquisa, é aconselhável não tirar conclusões precipitadas para não prejudicar o processo de análise da trajetória dos estudos.
De tudo que assisti, logo vinha à cabeça: mas como fazer isso acontecer? Como chegar aos objetivos sem encarar as muitas camadas que integram estratégias de comunicação? E, em todas as palestras, fiquei me indagando: como a decisão técnica, racional, vai superar a decisão política? Como as autoridades, os tomadores de opinião farão isso acontecer? Ou seja, a compreensão do quanto tudo está interligado requer uma efetiva comunicação entre os segmentos envolvidos. Necessita de intensas articulações, costuras entre quem pensa diferente. Talvez esse seja o ponto mais crucial para consolidar qualquer ação de adaptação e mitigação climática.
Estou buscando entender como as relações entre os diferentes órgãos se estabelecem. Fiquei sabendo de iniciativas bem interessantes em Porto Alegre. Inclusive, municípios da grande POA estiveram presentes acompanhando a programação, que teve a condução da Keila Lima Ferreira, coordenadora técnica do Iclei no Brasil.
O evento da Defesa Civil da capital integra a construção do Plano de Preparação e Mitigação de Desastres Climáticos (PPMDC). O representante do Programa para Resiliência Urbana, Ação Climática e Inclusão do Escritório das Nações Unidas para Redução de Riscos de Desastres (UNDRR) para as Américas e Caribe, Clémet da Cruz, aplicou questionários sobre temas diferentes para saber o nível de resiliência urbana. A metodologia incluiu a separação em grupos e o debate sobre o que deveria ser preenchido. (Confira a entrevista que fiz com Clémet aqui)
Na quinta, dia 13, foi realizada uma atividade na Ilha da Pintada como parte do processo de implementação do primeiro Núcleo Comunitário de Proteção e Defesa Civil (NUDEC) da Capital. Isso requer a participação da sociedade civil, com a articulação entre moradores, técnicos e autoridades. Lá é um dos pontos onde foi instalado um totem com informações sobre a previsão do tempo.
Tenho aprendido na academia que “informar não é comunicar”, conforme o sociólogo Dominique Wolton. Ou seja, é um gasto de energia, de recursos, de tempo, de tudo, simplesmente lançar informações sem ter feedback. É necessário estabelecer outras formas de contato para saber se houve entendimento do que foi divulgado. Postar nas redes sociais, avisar a imprensa sobre determinada situação não significa que o receptor compreendeu o que foi dito.
E, antes de seguir, vale reforçar as fases que envolvem a resiliência a desastres.
Primeiríssimo ponto: precisamos investir na prevenção. Se já sabemos os riscos que se agravam com a ocupação desordenada, a destruição de matas ciliares, enfim, é vital que a situação seja encarada com responsabilidade por todos, tanto o poder público quanto empresas que desejam ocupar áreas consideradas esponja, por exemplo. Não podemos esquecer que o RS é um estado altamente vulnerável a eventos extremos.
Segundo: precisamos nos preparar. Isso significa que todos nós – especialmente moradores de uma região metropolitana à beira de um delta em uma região de planícies de inundação – devemos saber o que fazer ANTES de acontecer alguma desgraça. Para onde ir, o que fazer? Quem chamar, como se organizar?
Terceiro: a mitigação necessita de consciência de todos. Se há probabilidade de acontecer, como fazer para que seja “menos pior”? Que cuidados se deve ter ao construir uma edificação? É oportuno construir um arranha-céu em uma área que possivelmente será alagada?
Quarto: a resposta exige táticas, ensaios anteriores. A resposta, como vimos no ano passado, exige que se tenha ações coordenadas, organizadas para se resolver problemas diante do estrago. Como a minha vizinhança está se preparando para outros episódios?
Quinto: a recuperação evidencia que o desastre continua depois da fase de emergência. Todas essas fases denotam que esse tema requer que muito mais gente deva se envolver nesse tema, nesse debate. Muitos anos se passam depois de um desastre até que tudo possa voltar como era antes. E isso é a realidade de vários países.
RS Resiliência e Sustentabilidade
Se você perdeu ou não conseguiu assistir direito ao Seminário Científico RS Resiliência e Sustentabilidade, as pesquisas apresentadas podem ser conferidas na publicação RS Reflexões para a reconstrução do Rio Grande do Sul – baixe aqui o PDF! O livro, luxuosamente editado pela Libretos, foi distribuído para cada um dos inscritos. Para mim, um dos pontos altos do momento foi reencontrar muita gente que fazia tempo que não via, além de conhecer pesquisadores de distintas universidades públicas que desenvolveram trabalhos pós-desastre.
O seminário durou cerca de nove horas e quase lotou o salão de atos da UFRGS. Os pesquisadores de universidades federais do Estado mostraram uma síntese de seus estudos feitos no âmbito do projeto “RS: Resiliência & Sustentabilidade”. A função toda foi promovida pela Secretaria para Apoio à Reconstrução do RS (SERS), do governo federal, em cooperação com a Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), com o apoio financeiro da Open Society Foundations. A iniciativa buscou valorizar o protagonismo das universidades públicas gaúchas – UFRGS, UFPEL, UFSM, FURG, Unipampa e UFSCPA – na formulação de uma agenda voltada à adaptação e à resiliência climática.
O começo foi repleto de discursos, do quanto as instituições federais têm se empenhado para enfrentar as consequências dos desastres. A apresentação dos trabalhos começou perto do meio-dia, devido às tantas falas políticas. Nenhum representante da prefeitura ou do governo do Estado fez uso da palavra na abertura. Uma nítida situação do cenário em que estamos mergulhados. A articulação entre as esferas de governo anda complicada.
Vale muito conferir os trabalhos dos pesquisadores. Até porque, como salientou o professor do IPH/Ufrgs Walter Collichonn, o Rio Grande do Sul é um estado esponja, pegando emprestado a definição usada para as cidades esponja, que têm áreas de absorção da chuva. Há trabalhos sobre urbanismo, meteorologia, saúde, entre outras áreas. Mas, é claro, que senti falta de pesquisas sobre a comunicação…
Resumindo, temos muita inteligência sobre o tema. Resta juntar todas as peças para montar um quebra-cabeças que dê conta de viver em um contexto onde o clima já mudou. As condições climáticas e meteorológicas vêm dando as cartas e estão promovendo transformações profundas em todos os lugares, principalmente no RS.
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