O dia 9 de agosto ficará marcado na história de Porto Alegre (RS), já repleta de capítulos envolvendo a participação cidadã. Neste dia chuvoso de inverno gaúcho, no pátio de uma escola municipal repleta de moradores, gestores públicos e estudantes construiu-se um palco e nele, respeitando a tradição ancestral, formou-se uma roda de conversa com populares que iam desde a jovem estudante da rede pública até a octogenária líder social, mais o governador do Estado do Rio Grande do Sul Eduardo Leite e o filósofo Michel Sandel, professor da Universidade de Harvard. Sob o tema “A importância do engajamento social entre diferentes setores da sociedade”.
Foram três rodadas de perguntas, dirigidas a todos os participantes por Michael Sandel, que discorreu a respeito de suas impressões no fim de cada rodada, junto do mediador. Para mim, convidado para realizar a mediação desta roda histórica, foi a materialização de um sonho idílico dos tempos da universidade de ciências políticas. A ressonância cultural presente no título deste artigo se refere a um conceito que explora como certos aspectos culturais têm a capacidade de ressoar ou se conectar profundamente com as pessoas, gerando uma resposta emocional, identificação ou adesão. Essa difusão de ideias se deu na soma de rodas e metodologias empregadas no quarto e último evento preparatório para o 2° Congresso Popular de Educação para Cidadania, que ocorrerá na Vila Planetário e nos bairros Mario Quintana e Restinga entre os dias 22 e 24 de setembro.
O formato das quatro rodas de conversa realizadas seguiu o princípio da equidade, no qual todos os participantes, independentemente do cargo ou posição que ocupam, têm o mesmo tempo de resposta e o mesmo tratamento dispensado. Além da roda principal, que trata a respeito do engajamento social, as rodas abordaram a segurança pública na periferia, a preparação do 2° CPEC e as mulheres na educação e cidadania, contando com a participação de quatro secretarias de Estado e lideranças femininas comunitárias.
Este modo de desenvolver os temas dentro das rodas de conversa possibilitou uma maior abertura e receptividade dos participantes, estimulando-os a elaborar respostas espontâneas e emotivas. Quando um elemento cultural ressoa, ele pode se espalhar rapidamente e tornar-se parte integrante da cultura de uma sociedade por um certo período de tempo. Está intimamente ligado à maneira como as pessoas percebem, interpretam e se relacionam com a cultura ao seu redor, neste caso, na dinâmica metodológica das rodas. E, de fato, os relatos de todos que estiveram presentes foram de impacto positivo, compartilhando com pessoas que não haviam participado e aumentando a sensação de fear of missing out (FOMO – “Fear of missing out” é uma expressão em inglês que significa “medo de perder algo”).
Este entusiasmo se dá pela receptividade da população, pela ausência de clima belicoso entre os participantes e pelo exercício da escuta como fator preponderante para dar vida, colorir os números e as estatísticas que servem de balizadores para a realização de políticas públicas. Ter mediado a roda foi uma experiência transformadora e percebi somente no exato momento em que ela começou que eu representava todo um coletivo. Foi quando decidi não me apresentar e permanecer incógnito por todo o período, ressaltando, deste modo, o protagonismo dos cidadãos que formavam a roda.
Marcou-me a maneira cordial e acolhedora com que todos se portaram durante a roda, começando pelos moradores, passando pelo convidado de honra Sandel, até chegar no governador. O que testemunhei foi uma celebração da civilidade, em alguns momentos misturada com a indignação histórica de abandono estatal, em outros com o contexto atual. Falou-se muito de política, mas pouco de partidos; isso é mérito dos participantes, que, à sua maneira, souberam distinguir a figura pública do cidadão que estava sentado à sua frente.
Após a roda, houve uma profusão de declarações entusiasmadas a respeito do 4° pré-congresso, e não apenas a roda principal, mas o evento como um todo conseguiu demonstrar a potência que a participação cidadã tem, sobretudo quando os demais atores políticos estão envolvidos e se percebe seu comprometimento. Esta participação faz com que a proposta seja legitimada, gere ressonância cultural e instigue novos movimentos a partir da próxima edição do Congresso Popular de Educação para Cidadania em setembro, e todos estão convidados para participarem desta celebração cidadã. O futuro da cidade agradece, pois a arte da cidadania é aprendida localmente.
Encontro do POA Inquieta: Neste sábado dia 26 de agosto das 9h30 às 13h, no Instituto Cidades Responsivas, se realizará o encontro aberto do Coletivo POA Inquieta, estão todos convidados.
Cleiton Chiarel é cientista político, diretor do INSPE, chefe de divisão na diretoria técnica da Superintendência de Ensino Profissional do RS e articulador do Spin de Economia Criativa do POA Inquieta.
Foto da Capa: Sílvia Marcuzzo / Divulgação