Eu vi, e me lembro muito bem da cena, seu helicóptero sobrevoando os morros do Rio de Janeiro. Se fosse hoje, considerando as armas que estão nas mãos dos criminosos, provavelmente não voaria tão baixo. Mas o helicóptero que levou o então presidente dos EUA, George Bush (o pai), para o Riocentro, a fim de participar da RIO 92, passeou tranquilamente pelo ar cristalino daquela linda manhã, típica do inverno do Rio.
A Conferência da ONU, lembrada como RIO 92, não foi uma COP. Foi denominada Cúpula da Terra, e foi muito relevante. Não só pela presença de muitos chefes de estado, assim com outras personalidades de prestígio, como o Dalai Lama e o Arcebispo Desmond Tutu, mas porque foi a primeira vez que o mundo reconheceu que o problema ambiental estava se tornando grave, e que seria necessária uma ação global.
A Cúpula da Terra identificou três processos naturais de alto risco: desertificação, perda de biodiversidade e mudanças climáticas. Para tratar esses temas foram então criadas, pela ONU, as COPs. Em 1995, realizou-se a primeira COP, em Berlim, que abordou as mudanças climáticas, assim como a COP 28.
Mas o que são as COPs, afinal? A sigla significa Conferência das Partes (Conference of the Parties, na sigla em inglês). Como quase todos os países membros da ONU participam, podemos simplesmente substituir o termo “Partes” por “Países”.
Há, portanto, três tipos de COPs voltadas para os temas citados acima, das quais as COPs sobre mudanças climáticas são, sem dúvida, as mais populares.
Ao longo dos anos, algumas COPs sobre mudanças climáticas chegaram a resultados mais efetivos. A primeira foi, naturalmente, a própria COP 1, que contou com representantes de 117 países e estabeleceu o Mandato de Berlim, em que foi definido um consenso de que os países deveriam tomar ações mais enérgicas para a mitigação do efeito estufa. Além disso, a COP 1 aplicou o chamado “princípio da responsabilidade comum, porém diferenciada entre os países”, que assume que os países desenvolvidos devem liderar os esforços de redução de gases de efeito estufa, permitindo aos países em desenvolvimento, mais tempo para buscarem o equilíbrio entre suas necessidades de desenvolvimento e a implantação de economias sustentáveis.
O mesmo princípio define que os países desenvolvidos devem compensar os países mais pobres pelos prejuízos causados por suas emissões históricas e atuais. Este princípio continua a governar a maior parte das diretrizes das COPs, ainda que, como veremos adiante, seu cumprimento esteja muito aquém do desejável.
Outra COP marcante foi a COP 3, realizada em 1997 em Kyoto, no Japão. Nela foi definido o Protocolo de Kyoto, o primeiro tratado internacional para controle da emissão de gases de efeito estufa. A ideia era de que houvesse uma redução de 5,2% nas emissões, em comparação aos valores de 1990.
O acordo passou a vigorar em 2005, mas não foi ratificado por todos os países industrializados, como foi o caso dos Estados Unidos. Países em desenvolvimento como China, Brasil e Índia não receberam metas e obrigações para reduzir suas emissões.
A COP que chegou mais perto de resultados palpáveis foi a COP 21, realizada em Paris em 2015. Nela foi assinado, por 195 países, o Acordo de Paris, que incluía metas definidas de redução de emissões para manter o aquecimento global abaixo de 2oC. Além disso, o Acordo determinava que os países desenvolvidos deveriam investir 100 bilhões de dólares por ano para financiar medidas de combate às mudanças climáticas e adaptação nos países em desenvolvimento.
O Acordo de Paris foi celebrado como uma grande conquista. Hoje, passados 8 anos, observa-se que as coisas não ocorreram conforme se esperava. Primeiramente, os cientistas chegaram, poucos anos depois, à conclusão de que um aquecimento de 2oC seria perigoso, e sugeriram que se voltasse à meta de 1,5oC, que havia sido proposta em COPs anteriores. Ou seja, seria necessário reduzir-se ainda mais as emissões.
No entanto, os países simplesmente não cumpriram as metas! Os Estados Unidos, durante o governo Trump, chegaram a se retirar do acordo, para voltar depois no primeiro dia do governo Biden. É verdade que o horizonte do Acordo de Paris é o ano de 2030 mas, como veremos adiante, ao fazer o chamado “Balanço Global” (acompanhamento das ações tomadas pelos países), a COP 28 reconheceu que há um grande atraso no avanço das metas.
Com tanta coisa acontecendo no mundo, até parece que a COP 28 foi há mais tempo, mas a Conferência, realizada em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos (EAU), terminou em 13 de dezembro de 2023, ou seja, há pouco mais de 1 mês.
Foi uma festa! Teve cerca de 85 mil participantes, incluindo 150 chefes de estado, além de outros representantes de delegações nacionais, da sociedade civil, empresas, povos originários, juventude, filantropia e outras organizações internacionais. Muitos ativistas participaram. E puderam protestar à vontade, desde que o fizessem dentro dos muros da Dubai Expo City. Se o fizessem fora, provavelmente seriam presos, pois os Emirados são uma ditadura!
A delegação brasileira foi a maior da história das COPs, com 1377 pessoas. No total, o número de brasileiros inscritos foi de cerca de 2400 pessoas. Os brasileiros, como você sabe, adoram viajar! Para Dubai, então…
Os resultados da COP 28 não chegaram a ser decepcionantes porque ninguém esperava que uma COP realizada num dos maiores produtores de petróleo do mundo, presidida pelo sultão Al Jaber, que nada mais é que o presidente da Companhia Estatal de Petróleo dos Emirados (que recentemente afirmou que os EAU pretendem dobrar sua produção de petróleo até 2030) fosse dar algum resultado importante. E não deu mesmo.
Aliás, eu ainda me pergunto de quem foi a brilhante ideia de realizar a COP das mudanças climáticas no coração do mundo do petróleo! E mais: decidiram que a COP 29, de 2024, será realizada no Azerbaijão, outro grande produtor de petróleo!
Ainda assim, por via das dúvidas, as empresas de petróleo enviaram cerca de 2 mil lobistas para circular pelos corredores, falar com os políticos e outras pessoas influentes, a fim de garantir que a COP não inventasse nada de muito prejudicial para elas.
Mas nem tudo foi ruim. Muita gente ressaltou que, no final, dada a baixa expectativa, o saldo final foi melhor que o esperado. O documento final da COP, o tal do “Balanço Geral” referente ao cumprimento das metas do Acordo de Paris (First Global Stocktake na terminologia em inglês) finalmente reconhece que os gases de efeito estufa emitidos pelos humanos estão causando o aquecimento global, e que uma transição para um mundo mais sustentável é necessária. Reconhece também que as metas do Acordo de Paris não estão sendo cumpridas.
Aceitando e utilizando o Sexto Relatório do IPCC (sigla em inglês para o Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas da ONU), o documento lista mais algumas diretrizes importantes, das quais eu destaco:
- todos os países participantes devem fazer um esforço conjunto para se fazer uma transição energética justa ordenada e equitativa (termos que dão margem a muitas interpretações!), buscando atingir a meta de carbono zero em 2050;
- o fundo criado na COP 27 para compensar as perdas e danos dos países em desenvolvimento com as mudanças climáticas deve ser ampliado. Os 700 milhões de dólares prometidos até agora são insuficientes;
- 118 países assinaram o compromisso de triplicar a capacidade de energia renovável e dobrar a taxa global de eficiência energética até 2030;
- mais de 50 empresas petrolíferas, representando cerca de 40% da produção global, se comprometeram a descarbonizar suas operações até 2050, incluindo as emissões de metano.
As diretrizes estabelecidas são, obviamente, necessárias, mas claramente insuficientes para deter o aquecimento global. Mas o pior é um fato: os países não têm cumprido os acordos e não há, nos protocolos das COPs, nenhuma consequência para quem continuar sem cumprir.
O documento também ressalta os avanços da produção de energias renováveis, principalmente a eólica e a solar. No Brasil, por exemplo, a energia eólica já é responsável por cerca de 19% da geração de eletricidade, e a solar por 8%. No mundo os planos são ambiciosos. São tecnologias consolidadas e comprovadamente viáveis.
Há planos ambiciosos no mundo, como o citado compromisso de triplicar a produção de energia renovável. Ainda assim, a maioria das estimativas é de que o mundo ainda produzirá muita eletricidade usando combustíveis fósseis em meados do século. Quanto é impossível prever, pois há muitos fatores envolvidos, mas já está claro que a meta de carbono zero em 2050 está seriamente comprometida.
A despeito de alguns avanços e muitas promessas há duas conclusões bastante óbvias que podemos tirar da COP 28. Primeira: não estamos fazendo o suficiente. Segunda: há muita hipocrisia verde (o termo mais utilizado em inglês é greenwashing). Ou seja, muita gente fingindo que se importa, mas na verdade, como se diz por aqui, está apenas “jogando para a torcida”.
Voltarei ao assunto hipocrisia verde em futuras colunas. Mas deixo aqui só um exemplo: a Arábia Saudita está planejando ter 50% de sua eletricidade gerada por fontes renováveis até 2030. Louvável, não? Por outro lado, não tem planos para reduzir sua produção de petróleo, do qual é o maior exportador do mundo!
Como eu disse acima, a COP 29 será realizada no Azerbaijão. Certamente vai haver muita gente querendo ir conhecer esse interessante país, ainda mais que os voos para lá farão conexão em Paris, ou Dubai! Mas novamente não se espera grande coisa dessa COP.
Os olhos do mundo já estão voltados para a COP 30, que será realizada em 2025, em Belém, a porta de entrada da Amazônia. O Brasil está diante de uma escolha. Ou chegará na COP 30 como o campeão das energias renováveis e da preservação ambiental. Ou vai preferir aparecer aos olhos do planeta como o país em que sua maior companhia, nas palavras do seu presidente, “planeja ser uma das últimas a produzir petróleo no mundo”. A escolha é nossa.
Observação final: Não esqueça de ver o vídeo que publicarei na próxima quinta-feira na minha conta do Instagram @marcomoraesciencia, com aprofundamentos sobre o tema da semana.