Com frequência, após o decurso de algum tempo da fixação da pensão alimentícia, muitos pais ou mães buscam na justiça a revisão do valor a ser pago, sendo que aquele ou aquela que paga pede a redução e aquele ou aquela que está com a guarda da criança pede a majoração.
Neste país, em que o PIB é enorme, mas a concentração de renda é maior ainda, e a maioria dos pais e mães são remediados ou pobres, ainda que considerados pelos entes governamentais como bem acima da linha da miséria, a discussão sobre o pagamento das pensões alimentícias é um problema recorrente, pois mesmo os assalariados, quando têm esta sorte, não podem pagar uma pensão muito elevada, sem prejuízo do próprio sustento.
Embora eu conheça alguns casos em que as mães disseram adeus para os maridos e também para os filhos, tenho observado que a maior parte dos encargos com a criação e até do sacrifício econômico, emocional e afetivo acaba sendo suportado pelas mães, que nem sempre ganham igual ou mais do que os pais das crianças, o que prejudica inclusive a possibilidade delas acumularem um capital que lhes fará muita falta quando tiverem de parar de trabalhar, sem falar nos aspectos profissionais, pessoais e na vida amorosa que acabam também sendo prejudicados.
Todavia, tenho visto até mesmo pais bastante abastados fazendo o possível para reduzir as despesas com os filhos, levando-os a viver em um padrão bem inferior ao que poderiam viver se não houvesse a mesquinharia paterna, enquanto eles mesmos seguem vivendo no mais alto padrão, com viagens internacionais, carros novos, presentes para as namoradas ou mulheres, e muito luxo. Alguns agem assim com os filhos por pão-durismo, outros parecem querer se vingar das mães, que fazem o todo o possível para que os filhos não sejam prejudicados, tenham a melhor educação, alimentação e vida possível. Depois, os filhos crescem, entendem que foram vítimas dos pais, de uma autoalienação parental ou abandono afetivo, se afastam, e eles ainda se queixam…
Claro que muitos pais ou mães têm boas razões para pedirem a revisão da pensão para menos ou para mais, que podem decorrer, por exemplo, do fato de terem ficado desempregados, de perdas salariais, de estarem doentes, de ter havido a falência das suas empresas, da constituição de nova família, ou de menor ou maior necessidade do recebimento da pensão por parte do filho.
Existem casos também em que, mesmo que a situação econômica do pai se mantenha, ele tem um novo filho com outra mulher, ou até mesmo se casa com outra mulher e tem mais de um filho. Nessas situações, há de ser avaliado e comprovado que realmente essa nova realidade fática impede o pai de manter a pensão, se há a necessidade de ser reduzida. O fato de ter tido um ou mais filhos ou se casado não implica direito automático de reduzir a pensão. Além disso, há de ser avaliada também a situação econômica de cada uma das mães, pois a mãe do outro filho pode ter uma situação econômica excelente, que não demandaria que o pai reduzisse o valor da pensão, bem como deve ser avaliada a situação econômica da mãe e do filho cuja pensão o pai postula a revisão para menos. Como é cediço, ambos os pais têm o dever de sustentar seus filhos, e deve ser mantida uma proporcionalidade.
Como expliquei no artigo publicado aqui na Sler em 25 de março de 2024, a pensão deverá ser fixada em razão de um trinômio (o terceiro componente é entendimento doutrinário recente, muitos ainda levam em conta apenas o binômio), composto: (i) pelas necessidades vitais da pessoa de quem pede, incluindo, mas não se limitando, a saúde, moradia, vestuário, lazer, educação, (ii) pela possibilidade de quem paga e (iii) pela proporcionalidade.
Ressalte-se que a pensão deve ser suficiente para, juntamente com os recursos do outro pai ou mãe, cobrir as despesas com alimentação, habitação, educação, saúde, vestuário e lazer, compatíveis com o padrão de vida do pai e da mãe. Não é justo que um dos pais tenha uma vida de luxo e a criança tenha um padrão de vida muito inferior ao que poderia ter, por mera mesquinharia ou incapacidade de amar do pai ou da mãe. Contudo, não se pode esquecer que uma separação de quem não tem muitos recursos pode sim causar uma diminuição no padrão de vida de todos os integrantes da família, pois as despesas que eram divididas, muitas vezes, ficam duplicadas.
Destaque-se que os tribunais vêm entendendo que, para fins de aplicação do princípio da proporcionalidade, acima mencionado, deve também ser considerado o trabalho invisível das mães, ligado ao dever diário de cuidado dos filhos, por exemplo, o trabalho referente à limpeza da casa, à realização de compras nos mercados, à preparação dos alimentos, lavagem de roupas, acompanhamento escolar, pois isso exige uma disponibilidade de tempo maior da mulher, lhe retira oportunidades no mercado de trabalho, no aperfeiçoamento cultural, na participação na vida pública e no cuidado de si mesma.
Importante salientar que o princípio constitucional da igualdade entre filhos somente significará que a pensão deve ser de idêntico valor para todos eles, se eles estiverem em uma situação de igualdade estrita. Por exemplo, um pode estar cursando faculdade, o outro uma escola primária que pode ser mais barata; um pode morar com a mãe rica em uma cobertura, e o outro em um apartamento pequeno alugado. Cada caso é um caso, e isto precisa ser avaliado.
Transcrevo abaixo algumas decisões publicadas no site do “jusbrasil”
“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE REVISÃO DE ALIMENTOS – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE CONHECEU DO AGRAVO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DO DEMANDANTE. 1. No caso dos autos o julgador apreciou a lide nos termos em que fora proposta, examinando detidamente o acervo probatório dos autos, adotando fundamentação clara e suficiente a amparar a improcedência do pedido. Nesse contexto, não há falar em violação ao art. 1022 do CPC2015. Com efeito, o Tribunal de Origem decidiu de forma fundamentada sobre todas as questões necessárias para o deslinde da controvérsia. O mero inconformismo da parte com o julgamento contrário à sua pretensão não caracteriza a falta de prestação jurisdicional. 2. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a constituição de nova família, ou nascimento de novos filhos, por si só, não implica a revisão de alimentos devidos aos filhos anteriores. Incidência do óbice da Súmula 83/STJ. Precedentes. 3. A reanálise do binômio da possibilidade do alimentante e da necessidade do alimentando pressupõe enfrentar o quadro fático delineado na instância ordinária, o que é vedado nesta via recursal extrema, vocacionada à discussão eminentemente jurídica, ante a incidência do óbice da Súmula 7/STJ. 4. Agravo interno desprovido.”
“STJ – AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL: …“DIREITO CIVIL E FAMÍLIA. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. RECONSIDERAÇÃO. PENSÃO ALIMENTÍCIA. CONSTITUIÇÃO DE NOVO NUCLEO FAMILIAR, INCLUSIVE COM NASCIMENTO DE NOVO FILHO. REDUÇÃO AUTOMÁTICA DO VALOR DOS ALIMENTOS DA PROLE DO RELACIONALMENTO ANTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO CONHECIDO PARA NÃO SE CONHECER DO RECURSO ESPECIAL. 1. A constituição de nova família ou o nascimento de novos filhos não afasta a necessidade de demonstração da alteração do binômio necessidade do alimentando em face do alimentante para revisão do valor dos alimentos fixado para a prole de relacionamentos anteriores. Precedentes. 2. No caso, o TJDF concluiu que a condição econômico-financeira do genitor é suficiente para manutenção da pensão alimentícia de seu primeiro filo nos moldes fixados e o custeio das despesas de seu novo filho e núcleo familiar, ambos em padrão similar, de modo que improcedente o pedido de redução do valor dos alimentos….”
“TJ-SP…AÇÃO REVISIONAL DE ALIMENTOS – Acordo anterior de alimentos pelo qual o autor comprometeu-se a pagar ao réu pensão alimentícia de 30% de seus rendimentos líquidos e 50% do salário mínimo nacional em caso de desemprego – Pretensão à redução, ante o nascimento de outra filha, a quem paga alimentos – Sentença que reduziu a obrigação para 20% dos rendimentos líquidos do autor ou 35% do salário mínimo – Recurso do réu, postulando a manutenção da pensão no valor anteriormente fixado – Descabimento – Nascimento de mais um filho a quem o autor por, por força de decisão judicial, vinha pagando 57% do salário mínimo. Ganhos do autor que não permitem a manutenção da pensão anteriormente fixada, sob pena de comprometimento do seu próprio sustento – Recurso desprovido.”
“TJ-RS… APELAÇAO CIVIL. REVISIONAL DE ALIMENTOS. REDUÇÃO. CABIMENTO. NASCIMENTO DE NOVO FILHO .\ESTE TRIBUNAL GUARDA ENTENDIMENTO DE QUE, EM SE TRATANTO DE ALIMENTANTE COM REMUNERÇÃO FIXA OU NÃO EXPRESSIVA, O NASCIMENTO DE UM NOVO FILHO É SIM FATO A JUSTIFICAR A REDUÇÃO DE ALIMENTOS DESTINADOS À PROLE ANTERIOR.\ESTE ENTENDIMENTO JUSTIFICA-SE PELA CONCLUSÃO OBVIA DE QUE O VALOR AUFERIDO PELO ALIMENTANTE NÃO SE ALTERA PELO NASCIMENTO DE UM NOVO FILHO, MAS SEUS GASTOS AUMENTAM. LOGO TRATANDO-SE DE TRABALHADOR ASSALARIADO, POR CERTO QUE A ORGANIZAÇÃO FINANCEIRA DA PARTE É ALTERADA, NÃO HAVENDO COMO OBRIGÁ-LO A PERMANECER ALCANÇANDO A SEUS FILHOS O MESMO VALOR. \VALE DESTACAR QUE TRATA-SE DE ENTENDIMENTO ADOTADO POR INÚMEROS OUTROS TRIBUNAIS BRASILEIROS, E NÃO APENAS POR ESTA CORTE GAÚCHA PRECEDENTES.\PORTANTO, FACE NASCIMENTO DE NOVO FILHO DO ALIMENTANTE, VÃO REDUZIDOS OS ALIMENTOS DESTINADOS À FILHA/ALIMENTADA PARA 10% DOS RENDIMENTOS LÍQUIDOS DE SEU GENITOR.”
“TJ-MG…EMENTA: APELAÇAO CÍVEL – DIREITO DE FAMÍLIA – REVISIONAL DE ALIEMENTOS – BINÔMIO NECESSIDADE/POSSIBILIDADE – MODIFICAÇÃO – NOVA FAMÍLIA 0 IGUALDADE ENTRE FILHOS – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO…..- O princípio da igualdade entre filhos (art. 227, § 6º, da CF/88 e art. 1.596, do CC/2002) somente implica a fixação da verba alimentar em idêntico valor para estes, quando se encontrarem em situação de igualdade estrita. Do contrário, admite-se a fixação dos alimentos em valores distintos, observando-se, sempre o binômio necessidade/possibilidade – Recurso desprovido.”
Importante salientar que não há um limite fixado para a pensão de alimentos, nem mesmo os 30% da renda de quem a paga. Em alguns casos, a pensão pode exceder esse percentual, desde que não impeça o sustento do pagador da pensão.
Como escrito acima, muitos pais perdem o contato com os filhos, de fato se distanciam dos filhos, inclusive afetivamente, quando se separam da mulher, ou casam com outra ou têm outro filho, ainda que paguem uma pensão, pois deixam de conviver com eles, o que causa um grande abalo emocional no filho abandonado. Isso, em alguns casos, pode caracterizar abandono afetivo ou autoalienação parental, ou alienação parental autoinfligida, sobre a qual escrevi artigo publicado aqui na Sler no dia 12 de agosto.
Nessas circunstâncias, o filho negligenciado pode inclusive postular uma indenização pelos danos morais que veio a sofrer em razão desta alienação parental. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, o direito de pedir em juízo a reparação por dano afetivo está sujeito ao prazo prescricional de três anos, todavia esse prazo não flui entre ascendentes e descendentes durante o poder familiar.
Sob o ponto de vista penal, as condutas de abandonar materialmente ou intelectualmente um filho estão previstas como crime no Capítulo DOS CRIMES CONTRA A ASSISTÊNCIA FAMILIAR, do Código Penal.
Vale transcrever os seguintes crimes tipificados no referido código:
Abandono material
“Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País.
Parágrafo único – Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada.”
Abandono intelectual
“Art. 246 – Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar:
Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.”
Sei que esse assunto é pesado, e para algumas pessoas de dolorosa leitura, mas é sempre bom que se saiba que a proteção da criança é muito importante, e que existem medidas que podem ser tomadas. Uma boa semana a todos.
Foto da Capa: Freepik / Gerada por IA
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