“Homem que morre rico, morre em desgraça” é a frase fundacional da filantropia empresarial norte-americana cunhada por aquele que é tido como o seu pai, o empresário de origem escocesa Andrew Carnegie (1835-1919). Carnegie ajudou a modelar o espírito moderno americano. Começou do nada e construiu um império. O pequeno Carnegie – tinha 1,60m – era enérgico, inteligente e voraz.
Depois de vender a sua siderúrgica ao banqueiro J.P. Morgan por 480 milhões de dólares, tornou-se um dos homens mais ricos de todos os tempos e passou a se dedicar ainda mais à filantropia. Foi responsável pela criação de milhares de bibliotecas nos Estados Unidos e de instituições culturais e fez doações polpudas para caridade e universidades. O Carnegie Hall você certamente já ouviu falar.
Ele continua sendo a inspiração de muitos empresários estadunidenses, como Chuck Fenney, fundador da Duty Free. Ele doou mais de 8 bilhões de dólares para causas sociais e universidades. Hoje, aos 89 anos, vive em um apartamento modesto em São Francisco com a esposa, e mantém uma reserva de 2 milhões de dólares. Bill Gates – e a sua fundação com Melinda – é outro exemplo contemporâneo. Bill já havia doado 57 bilhões de dólares à Fundação Gates até 2022. O fundador da Microsoft anunciou que quer doar sua fortuna até deixar de aparecer entre os mais ricos da Forbes.
Isso tudo não significa que eles sejam seres apenas bondosos feitos freiras. O próprio Carnegie era implacável com seus empregados, não hesitava em usar de violência em greves em suas empresas, o que a legislação não permitiria mais caso Bill Gates tivesse algum pendor autoritário.
Aqui no Brasil, o Trio Bilionário Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira são os três homens mais ricos do país, com um patrimônio conjunto estimado em 196,12 bilhões de reais, segundo a revista Forbes. Na verdade, parêntese, não são os mais ricos do país, porque há muito não moram mais no Brasil. Logo, são os mais ricos nascidos no Brasil. Tidos como “ícones” do capitalismo brasileiro, estão por trás de multinacionais como AB InBev, Kraft Heinz, Burger King. E das Americanas. O famoso modelo de gestão dos empresários é espremer o que dá e maximizar os lucros a qualquer custo, gerando sempre generosos dividendos aos acionistas.
Depois de descoberta da fraude contábil, eufemisticamente chamada de ‘inconsistência’, veio à tona um precedente, mostrando que, talvez, o episódio brasileiro não seja uma prática isolada. Em 2021, para encerrar uma investigação nos Estados Unidos por má-conduta contábil, a Kraft Heinz pagou uma multa de R$ 323 milhões.
O Trio brasileiro investe trocados de suas fortunas em filantropia no Brasil, quase como um hobby, o suficiente para que ninguém os acuse de não fazer nada. Ou o suficiente para gerar as chamadas “pautas positivas” na grande mídia. E aí é que temos uma diferença abissal entre brasileiros e norte-americanos. Esses segundos são muitas vezes gananciosos, são mesmo, mas boa parte tem noção de Nação, como Carnegie já defendia. Eles sabem que a Nação precisa viver e progredir. Que o seu povo precisa viver e progredir. Que o país precisa crescer, que precisa de educação, de cultura, de ciência. Para quê? Para que eles continuem ganhando mais dinheiro. Com o país rico, as suas galinhas seguirão pondo mais e mais dos seus ovos de ouro.
O Trio Bilionário se negou a aportar 10 bilhões de reais para salvar as Americanas – lembrem, a fortuna deles é estimada em 196,12 bilhões de reais. Esse era o valor que os credores se sentiriam confortáveis para negociar o resto da dívida, cujo total pode chegar a 40 bilhões de reais. E outro parêntese. Durante o período Santo da Inconsistência Contábil (desde 2015, estima-se), as Americanas distribuíram gordos dividendos aos acionistas, especialmente ao Trio, até a pouco majoritário do negócio. Pois bem, eles não toparam colocar os 10 bi, atirando a empresa na recuperação judicial, o que significa dividir o prejuízo com grandes bancos e grandes investidores, mas também com milhares de pequenos e inocentes investidores e pequenos fornecedores e suas famílias.
O Brasil tem grandes brasileiros, em todos lugares, inclusive no empresariado. Gente que se preocupa com as pessoas, com a diversidade, com o planeta, com a civilização, com o presente e com o futuro. O Trio Bilionário, que anunciou nas últimas horas que até poderá fazer o favor de vir ao Brasil tratar do assunto, parece estar em outra categoria, daqueles que não se contentam com ovos de ouro e nem em comer as galinhas. Querem levar o galinheiro inteiro.