Nicolas Behr me enviou seu ótimo livro Rodô, poesia passageira, poemas sem destino. O poeta divide a autoria com o artista visual Paulino Aversa. O volume contém poemas que têm como tema a rodoviária de Brasília. As fotos e desenhos também mostram o cotidiano desse mesmo lugar emblemático da cidade.
A poesia de Nicolas Behr tem uma grande parte de textos, escritos desde os anos mil novecentos e setenta, dedicados a desvendar e a revelar para o leitor a capital federal. As quadras, a história, os candangos, os políticos, as políticas, as pessoas comuns, tudo isso captado pelo olhar do poeta em, geralmente, poemas curtos, escritos em letras minúsculas e muitos sem título.
É a estética de uma geração pós-poesia concreta, que centra na concisão, na economia de palavras, no poema que é um recorte da paisagem, uma edição de cenas que tem um quê de Oswald de Andrade, do instantâneo do haicai, do poema “Cota Zero” do Drummond. Mas tudo com a gíria e a postura rock and roll e contracultural de uma geração pós-hippie, que laçou seus primeiros livros impressos a mimeógrafo e, mais tarde, a xerox.
Embora Behr já tenha sido lançado por boas editoras com perfil comercial, nunca deixou de fazer suas próprias edições, como se o mais importante para ele fosse fazer circular a poesia. O que é, na verdade, a mesma postura de sua geração. Dessacralizar inclusive o meio literário e suas ostentações mercadológicas é parte da postura e do projeto estético.
Esse livro de que trato aqui foi editado com distribuição gratuita, com apoio do movimento Viva BSB Viva, do Sesc e da Pau-Brasília – Viveiro Ecologia. Essa última é a linda floricultura do Nicolas, que tive a alegria de conhecer quando o visitei há alguns anos.
Também é parte desse mesmo projeto estético procurar trazer a poesia para as coisas da vida comum, como é o caso aqui da Rodoviária. Mas Nicolas Behr nunca se contenta em nos entregar apenas as coisas em si. Seu olhar penetra no sentido ou na falta de sentido do que se apresenta de maneira concreta à vista de todos.
É também um poeta-historiador, arqueólogo, futurólogo. Pesquisa o passado e nos revela como se formou a cidade. Descobre sob a cidade erguida possibilidades, dúvidas, rasuras no projeto. Projeta o futuro e mesmo destrói no poema tudo o que foi construído para que a natureza invada novamente esse pedaço de Brasil gestado pela razão.
O livro resgata o papel de Lucio Costa, o paisagista que “em 1957 venceu o concurso do Plano Piloto de Brasília e sua apresentação, composta de 17 folhas datilografadas e desenhos ilustrativos, era tão simples que constrangeu o júri.” Enquanto outros concorrentes gastaram cerca de 400 mil cruzeiros em maquetes sofisticadas, o paisagista gastou apenas 25 cruzeiros em datilografia. Mas suas ideias suplantaram as de todos os outros.
Esse é outro trunfo estético do livro. Nicolas Behr coloca poemas em versos, mas também textos em prosa extraídos dos verbetes da sua espécie de dicionário já editado anteriormente Brasília-Z: cidade-palavra, além de um depoimento entre aspas do próprio Lucio Costa revelando como que um plano-piloto do próprio livro do poeta. O paisagista conta que havia imaginado a Plataforma Rodoviária, “esse centro urbano, como uma coisa requintada, meio cosmopolita” (intercalo aqui o verbete do Nicolas Behr: ‘pensava em Champs Elysées, em Paris, com seus cafés’) “Mas não é (segue Lucio Costa). Quem tomou conta dele foram esses brasileiros verdadeiros que construíram a cidade e estão ali legitimamente. É o Brasil…(…) Eles estão com a razão. Eu é que estava errado”.
Ou, nas palavras do poema “A Rodô é outro nível”, do poeta Nicolas Behr: a rodoviária de Brasília é o lugar onde o flâneur, aquela figura da paisagem urbana que circulava pela cidade e que foi eternizada pelo poeta francês Baudelaire, “virou flanelinha”.
Foto da Capa: Agência Brasil