Eu sou bom pra caramba – declarou o Renato Gaúcho, e não estava mentindo. Como poderia não ser bom, depois de tudo o que conquistou como jogador e treinador? Bom, certamente; possivelmente, o melhor.
Mas existe algo soberano até mesmo a ele. Chama-se tempo. E, nele, o que vai mudando, sem parar. Já não é mais tempo de ser bom pra caramba. Hoje é o tempo do esforço, da eficiência. Do estudo árduo. Do miudinho em olho no graúdo. Faz anos, Chico Buarque alertava para o fim da era do bom malandro. Mesmo este, adaptado aos novos tempos, passou a trabalhar pra caramba, reconhecendo os seus limites, diante dos novos tempos. Ele, que havia sido bom pra caramba.
Mas o tempo mudou novamente e, mais ainda, na última década. Para o mundo e para o futebol. Times trouxeram treinadores europeus e argentinos, não tão bons pra caramba, mas dedicados. Acordam cedo, traçam planos, executam táticas que revisam e modificam, conforme os novos desafios. Times se profissionalizaram com departamentos especializados em estudar contratações. Não são bons pra caramba. São cirúrgicos. São metódicos, científicos. E a sua divisão do trabalho estimula a humildade de cada um, no esforço conjunto em prol dos resultados.
Sim, é tempo de esforços individuais e, sobretudo, conjuntos. Sabemos que somos pouco. Insuficientes, e até mesmo humanamente ruins pra caramba. Por isso, apoiamo-nos uns nos outros, com senso agudo de equipe, em busca de um objetivo comum: jogar competindo. Foi-se o tempo das cigarras tão somente talentosas. Foi-se o tempo dos Deuses e dos salvadores. Do deixa disso, da malemolência. É a hora da formiga: dedicada, estudiosa, humilde, capaz de reconhecer a incompletude. É a hora de reconhecer que a eventual salvação está no esforço diário de todos juntos. Foi-se o tempo da praia, é preciso suar diretamente no Centro de Treinamento, desde – tempo – cedo.
Agradecemos – e muito – aos bons pra caramba. Eles fazem parte da nossa história, talvez a melhor parte. Contamos do malandro as melhores narrativas e nos regozijamos orgulhosos delas, que ocupam o maior de nossa memória. Mas a hora é outra e pede a aceitação da ruindade que nos habita para, então, sim, lutarmos muito, sem malandragem, por um punhado de superação.
Foto da Capa: Lucas Uebel / Grêmio
Mais textos de Celso Gutfreind: Clique aqui.