Porto Alegre vive um paradoxo. De um lado, os desafios que a cidade enfrenta não são surpresas – eles estavam no horizonte há anos, acumulando sinais e alertas. De outro, a forma como lidamos com esses problemas segue sempre o mesmo roteiro: ignoramos enquanto dá, negamos quando começam a apertar e só reagimos quando o impacto já é inevitável.
A cidade já passou por crises no transporte público, enchentes previsíveis, problemas de gestão financeira e planejamento urbano defasado. E todas essas crises têm algo em comum: elas poderiam ter sido evitadas.
Mas por que insistimos nesse ciclo?
O risco era previsível – mas ignoramos
Existe um padrão claro: problemas grandes dão sinais antes de explodirem. Só que esses sinais costumam ser ignorados por anos.
Pegue as últimas enchentes como exemplo. A cidade já havia passado por eventos climáticos severos, especialistas alertavam sobre a necessidade de melhorias nos sistemas de drenagem e o impacto da ocupação desordenada já era visível. Mas o que aconteceu?
– Nenhuma ação preventiva de grande porte.
– Reação apenas após o desastre.
– Discurso de surpresa, como se ninguém soubesse que isso aconteceria.
Se algo era previsível e nada foi feito, não foi acidente – foi negligência.
Nossa mente sabota nossas decisões
O que faz uma cidade inteira ignorar riscos evidentes?
Nosso cérebro funciona assim: preferimos acreditar no que nos dá conforto, mesmo que seja falso. Esse viés nos faz descartar evidências inconvenientes e nos apegar a narrativas que soam mais agradáveis.
Quando alguém diz “não precisa se preocupar com isso agora”, tendemos a acreditar, porque é mais fácil do que encarar a realidade.
Quando ouvimos que o problema é menor do que parece, aceitamos, porque mudanças exigem esforço.
Quando a cidade começa a se recuperar de uma crise, esquecemos rapidamente o que aconteceu e voltamos aos mesmos hábitos.
A mente humana não gosta de lidar com riscos a longo prazo. Preferimos a ilusão de controle do que a realidade incômoda de que algo precisa mudar agora.
Quem toma decisões não sofre as consequências
Outro fator que perpetua os problemas é a falta de responsabilidade real para quem toma as decisões erradas – ou para quem não toma decisão nenhuma.
Em Porto Alegre, gestores públicos historicamente não enfrentam consequências por planejamentos ruins. Quando uma política falha, o máximo que acontece é alguém perder um cargo – mas os impactos são sentidos pela população, não por quem governou mal.
– O transporte público entra em colapso? A população sofre, mas os tomadores de decisão continuam na política.
– A cidade não se prepara para crises climáticas? A população perde tudo, mas os responsáveis seguem impunes.
– Projetos de revitalização urbana não saem do papel? Quem perde são os cidadãos, enquanto quem deveria entregar as obras segue ileso.
Enquanto os tomadores de decisão não sentirem o impacto real das falhas que produzem, o ciclo se repete.
Como mudar esse cenário?
Se sabemos que:
- Problemas previsíveis são ignorados até que seja tarde.
- Nossa mente nos leva a acreditar no que queremos, e não no que é real.
- Quem decide não sofre as consequências de suas escolhas.
… então a solução passa por mudanças estruturais e comportamentais.
Aceitar os riscos visíveis e agir sobre eles agora
A cidade precisa tratar riscos de infraestrutura, mudanças climáticas e transporte com urgência, antes que se tornem crises irreversíveis.
Responsabilizar quem decide
Se uma gestão pública falha, os responsáveis precisam pagar um preço real, seja político, econômico ou jurídico.
Construir memória coletiva
Porto Alegre já passou por crises suficientes para aprender. A cidade precisa criar sistemas de longo prazo, que não sejam desmontados a cada nova gestão.
Mudar o modelo mental das pessoas
Precisamos parar de nos surpreender com o previsível e entender que planejamento urbano, sustentabilidade e economia não são só discursos, mas ações concretas.
A escolha entre repetir o ciclo ou quebrá-lo
Porto Alegre pode continuar funcionando no modo reativo, lidando com crises como se fossem imprevistos. Ou pode decidir que já passou por desastres suficientes para não precisar de mais um para aprender.
A pergunta que fica é: o que vai ser ignorado agora e virar a crise de amanhã?
O tempo da resposta dirá se aprendemos ou se seguimos cometendo os mesmos erros.
Dreyson Queiroz é sócio e head de Cultura de Inovação na CLASH, Agile Coach, Design Thinker, Facilitador Criativo e UX Designer. Tem especialização na área criativa, com pós-graduação em Antropologia e Transformação Digital. Criador do projeto "Conta pro Queiroz", é conselheiro do Clube de Criação/ RS, integra o board da UNESCO-SOST Transcriativa, é Fellow da ACUMEN. Participa de movimentos como Corporate Hackers, POA Inquieta, Rede de facilitadores Brasil, Domos Design (Instituto Caldeira) e OpenInnovationBR.
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