Minas Gerais, século 19. Mulheres negras escravizadas enrolavam sobras de carne no meio de massinhas de angu e levavam para as senzalas, sem que os senhores vissem. Assim foi criado o pastel de angu, um bolinho com massa de fubá, que já nasceu baseado na resistência, na cooperação e na solidariedade.
O curta-metragem “Angu Recheado de Senzala”, do artista e chef mineiro Stanley Albano, é uma agulha neste imenso palheiro de escassez de filmes que retratem a contribuição do povo negro na gastronomia brasileira. O curta recria fatos para mostrar a história da criação do pastel de angu, patrimônio da cultura de Minas Gerais desde 2010. Stanley tempera a narrativa singela com pitadas que evidenciam o racismo estrutural vivenciado por negros e negras nas fazendas mineiras.
Rica em pratos à base de porco, gado, frango, queijo, feijão e milho, a culinária de Minas Gerais tem muitas receitas originárias do final do século 19, período marcado pelo regime escravocrata.
As pretas, mucamas, “eleitas” para fazer e servir as comidas para os senhores na casa grande das fazendas, juntavam os restos de carne que sobravam nos pratos depois das fartas refeições. No entanto, mesmo sendo sobras, os escravos não tinham direito a essa regalia de comer carne. Podiam comer o angu, farinha de milho cozida na água e era isso. As escravas então colocavam os restos de carne em cumbucas e cobriam com o angu e isso era levado para a senzala.
Qualquer semelhança com o escondidinho não deve ser só coincidência, não é? O filme não fala do escondidinho, mas me parece que o pastel de angu pode ter a mesma origem desse prato misterioso feito com um purê de aipim cobrindo diferentes recheios, em geral de carne desfiada.
No curta de Stanley Albano, o tal angu foi transformado em um bolinho e a carne foi escondida lá dentro. O bolinho foi achatado e frito na banha e assim teria surgido a iguaria que hoje se encontra em todo boteco, feira e festa popular de Minas. Hoje, os recheios são abusivos: carne, queijo, queijo com carne, couve com bacon, umbigo de banana, frango com quiabo e por aí vai.
Como boa parte dos jovens negros de periferia, com apenas 15 anos de idade, Stanley já acumulava passagens por trabalhos em telemarketing, açougues e carpintaria, e então atuou como garçom. A proximidade com a cozinha despertou o sonho de ter seu próprio negócio e em 2019, ele conseguiu a façanha: abriu o MandakNega, em Belo Horizonte, e ali começou a inventar e experimentar receitas.
Veio a pandemia e Stanley se viu obrigado a fazer entregas em domicílio e para impulsionar o negócio incrementou seu instagram com minivideos que ele mesmo produzia no celular. Veio à tona um misto de gosto e de talento pelo cinema e pela atuação. Seu primeiro curta Morde & Assopra estreia em 2020 e percorreu alguns festivais nacionais. Em seguida, ele roteirizou, produziu, dirigiu e ainda atuou em sua segunda produção: “Angu recheado de senzala”
A proposta surgiu depois de receber a demanda para vender pastéis de angu em um evento. Na pesquisa sobre a receita, ele descobriu a origem vinculada à escravidão. Tomara que surjam mais receitas, mais filmes. Por ora, vamos aos pastéis.
Ah, você quer fazer seu pastel? Existem inúmeras receitas disponíveis na internet. Só dar uma busca e rapidinho surge. Mas ok, vou ser boazinha. Neste link tem uma receita bem tradicional e fácil de fazer. Divirta-se e bom apetite.
Pastel de angu: receita mineira tradicional – Cada Receita