No dia 26 de julho comemora-se o dia dos avós. Uma referência aos santos do dia, na tradição religiosa cristã, os judeus Joaquim e Ana, que seriam os pais de Maria, mãe de Jesus. A referência ao casal é algo imprecisa, vem de textos apócrifos e talvez sirva mais como uma contribuição à narrativa do que propriamente a uma verdade histórica.
Mas esse fato não importa, o que vale aqui é o que me disse um amigo grego, o Georges. Ele é filho de Basile, pai de Basile e Sofia e casado com Ana, que tem o mesmo nome da mãe de Maria. Eles são avós de outro Georges, Heitor, Teodora e Helena. Tantas coisas aprendemos com os gregos, que eu tive que dar credibilidade a mais essa história: – Depois que se tem netos – ele afirma, convicto, entre um caroço e outro de azeitona jogado no canal de Corinto – os filhos baixam muito na pontuação antes atribuída a eles.
Pois Teresa nasceu e eu também já não vejo a mãe dela, nem as outras duas filhas, suas irmãs, com aquela cotação campeã de ouro olímpico. Com licença, Gurias, vamos deixar o podium livre, lustrado e bem varrido. Como bem disse Camões, em Os Lusíadas: “Cesse tudo o que a Musa antiga canta / Que outro valor mais alto se alevanta”.
A clássica reclamação de um filho ou uma filha de que os avós tendem a gostar mais dos netos do que dos próprios filhos, parece não ser lenda, nem exagero. Isso não precisa ser repetido a toda hora, como um grito de ordem, tipo “Delenda est Carthago”, que o senador romano Catão, o Velho (234-149 a.C.) teimava em apregoar, num quase frenesi, em favor da destruição completa de Cartago. Até porque mexe com susceptibilidades filiais, pode provocar ciúmes e lufadas de autodepreciação afetiva.
O pesquisador americano James Rilling, professor do Departamento de Antropologia da Universidade Emory, de Atlanta, é reconhecido por estudos de neuroimagem que comparam o nosso cérebro humano com o de outros primatas. Também por trabalhos em bases neurais no comportamento de cooperação humana e nos cuidados parentais.
Em 2021, em artigo na revista Proceedings of the Royal Society of London, Rilling apresentou resultados de uma pesquisa que avaliou a reação de avós ao observar fotos de seus netos em diversas situações, e de seus próprios filhos. Foram recrutadas 50 mulheres com pelo menos um neto na faixa etária dos 3 aos 12 anos. Exames de ressonância magnética funcional foram utilizados para avaliar as mudanças no fluxo sanguíneo que acontecem com a atividade cerebral. Ao mesmo tempo em que eram mostradas imagens do neto ou de outra criança que não conheciam, de outras pessoas desconhecidas e do pai do neto.
Os resultados do estudo indicaram um aumento nas atividades na área do cérebro associada à empatia emocional quando as avós viam fotografias dos seus netos. Isso se relaciona, por exemplo, ao instinto de segurar, se aproximar e interagir com a criança. Os dados sugerem que as avós podem estar predispostas a partilhar os estados emocionais de seus netos. Sendo levadas a sentir o que estão sentindo quando interagem com eles. Se o neto está sorrindo, elas sentem a alegria dele. Se está chorando, sentem a dor e a angústia da criança.
Antes do experimento com as avós, foi realizado um exercício semelhante com pais que olhavam para as fotos de seus filhos. As atividades cerebrais processadas foram na mesma área das avós, da empatia emocional, mas em nível bastante inferior – embora alguns pais tenham atingido picos de ativação semelhantes.
Por outro lado, quando as avós olhavam para as imagens de seus filhos, as áreas cerebrais ativadas foram diferentes. Em vez de serem associadas ao lado emocional, as exercitadas foram as relacionadas à empatia cognitiva. Ou seja, segundo o estudo, essas avós estavam tentando compreender cognitivamente o seu filho adulto em vez de experimentar uma conexão emocional mais direta.
Empatia emocional é quando se é capaz de sentir o que a outra pessoa sente, empatia cognitiva é quando você entende o que a outra pessoa está sentindo e por quê. Os pais tentam compreender os filhos, mas avós “sentem” os netos.
Entre gregos e troianos, não cabe aqui iniciar uma guerra. Há também, e o próprio Dr. Rilling pondera, certos traços, trejeitos e olhares nas crianças que contribuem para despertar esse sentimento de proteção e amor máximo nos avós. Não é inocência infantil, longe disso. Talvez uma mistura de instinto de sobrevivência e inteligência emocional.
Outro extenso estudo sobre a velhice e o envelhecimento, entre mais de 500 residentes idosos, entre 70 a 100 anos de idade, da antiga Berlim Ocidental (The Berlin Aging Study), realizado entre 1990 e 1993, já havia demonstrado alguns dados interessantes nesse tema. Entre tantos achados, a demonstração de que avós que cuidam de netos tem 37% menos risco de morte do que pessoas na mesma faixa etária que não cuidam de crianças. A proximidade emocional entre netos e avós é fator de proteção contra a depressão e outros transtornos mentais, além de favorecer habilidades socioemocionais. Para a criança, sentir-se aceito e amado pelos avós faz com que se sinta alguém com qualidades para ser amada. Alimento para a autoestima e um melhor desenvolvimento.
Se usar a palavra açúcar pode suscitar certos constrangimentos, visto que o mesmo tem sido proscrito, é inegável que entre avós e netos há uma peculiar, doce e saudável interação. Sagaz cumplicidade entre gerações. Longa vida ao colo e ao cafuné.
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