o capim é a minha grande reserva interior
a esperança
desleixo
Maria Lúcia Alvim
Uma mania abominável: dar presentes e, depois de algum tempo, pedir de volta. Nesse sentido, vejo muito valor e sabedoria no dístico hispanohablante: Santa Rita, Santa Rita, lo que se da no se quita.
É gostosinho, mas, na grande maioria das vezes, presentes são meras ilusões, já que vivemos em um mundo de trocas, quer simbólicas, quer capitalistas. No entanto, não defendo a ingratidão das pessoas presenteadas. Reconhecimento ainda é um ato civilizatório. O problema é quando o Rei Mago de plantão decide cobrar de outras formas. De novo, o tema das tais trocas e dívidas simbólicas, tão caras às análises psicanalíticas.
Um clássico dentro das famílias é o vício de querer inspecionar se o presente foi utilizado. A tia Nara quer saber se a blusa te serviu, viu? E lá vai a sobrinha, que entendeu o recado, usar a “brusinha” quando sabe que vai ver a tia Nara no almoço. Exemplo das comédias das coincidências que ajudamos a forjar e reforço da expressão da necessidade de nos sentirmos percebidos, reconhecidos e amados. Tia Nara agradece. Sim, agradece, já que é parte da vaidade humana se crer importante na vida de alguém.
Uma boa superação do assunto, quem sabe, seria lembrar que tudo vem do mesmo saco. Um saco chamado Terra, de onde vêm todos os nossos recursos. As tais trocas simbólicas seriam, então, um passatempo? Não sei se é para tanto, só entendo que é chatinha essa história de presente com fatura… E pior, quando o carinho está longe, presentear pode ser apenas a imposição de uma permuta que não foi proposta, como uma dívida que cai no nosso colo. Querer caminhar juntos sem sermos credores ou fiadores uns dos outros é uma das artes mais refinadas. Rareza total.
Outra coisa chata: a promessa de um presente que nunca vem. Tempos atrás, algo de esperança havíamos recebido e a manutenção dessa esperança foi um grande roubo antecipado. Ou realmente não sabemos aplicar a “lei” Santa Rita… Na Eco-92, no Rio de Janeiro, todos os alertas ambientais foram dados. Entendemos ou fingimos que entendemos. Sabíamos o que precisava ser feito. Ainda assim, parece que nos sentimos mais desafiados a testar o acolhimento da Terra, como crianças mimadas, fazendo dela um dispensador infinito de presentes. O saco sem fundo do Papai Noel.
Como retribuição, temos nossos habituais presentes de grego. Estamos dando fogo e recebendo algo pior: a ausência de algo para chamar de futuro. É fogo amigo e tiro no pé, dilatando uma falsa penhora, pois já não há garantias.
Foto da Capa:
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