Antes da finalização desse texto, que teria um desfecho diferente, Sebastião foi encontrado. Trata-se de um cachorro, um border collie de dois anos de idade que estava perdido há 13 dias em Porto Alegre desde que fugiu, assustado, quando se desvencilhou do funcionário da pet shop onde estava. Desde então, uma rede solidária se formou e milhares de pessoas se engajaram em grupos de WhatsApp e pelas demais redes sociais nas buscas por Sebastião. Eu, que normalmente não me comovo em excesso com postagens dessa natureza, acabei me envolvendo e seguindo o perfil criado para compartilhar informações. Me deixei tomar por um sentimento que normalmente não me habita assim dessa maneira em relação a animais perdidos. Demais pessoas da minha bolha também compartilhavam e o movimento foi crescendo. Certamente cabe dizer que o fato de a tutora ser exatamente da mesma bolha, o cachorro ter sido perdido numa pet shop da rua Anita Garibaldi, afeta as pessoas de uma forma diferente, é preciso admitir, não sem tristeza. Mas essa não é minha questão. Independente do viés social e econômico, fiquei pensando nessa mobilização, nessa movimentação que faz as pessoas buscarem acreditar em algo e se mobilizarem enquanto coletivo em prol de uma causa que aparentemente não lhes afeta diretamente.
Concomitante a isso, me conectei com minhas escutas de anos no hospital onde atuei como psicóloga hospitalar em situações de vida limite e onde, em 10 anos de prática, ouvi os mais variados tipos de relatos. Pessoas desesperançosas mesmo com todos os prognósticos favoráveis e, por outro lado, pessoas com situações gravíssimas, em evidentes situações de ameaça iminente e praticamente certa à vida, com um sentimento de esperança que, conforme escutei uma vez em um curso sobre o assunto (esperança), ela não é uma só, não é só esperança de sobreviver ou de se curar. Pode ser esperança de não sentir dor, de conseguir sobreviver até a formatura de um filho.
São situações muito diferentes – a perda de um cachorro e uma doença grave –, mas guardadas as devidas proporções, o que me motivou a escrever esse texto foi a pulsão de vida envolvida em ambas. Sem querer banalizar um termo psicanalítico tão caro, gosto de pensar nessa força vital que nos empurra e que não significa de forma alguma esperança cega ou uma ingenuidade. Em ambas as situações, a expectativa de um desfecho desfavorável está no cenário e ainda assim pode servir até como motor para que o esforço pela continuidade (das buscas ou dos tratamentos) não cesse. Além disso, a força do contágio exerce um papel fundamental. A comoção nas redes sociais, no caso do Sebastião, leva as pessoas a se unirem em prol de uma causa mesmo que não seja diretamente sua, talvez porque isso indireta ou inconscientemente as conecta com um movimento em prol de causas próprias que às vezes podem ter sido deixadas para trás ou até mesmo fracassado. No caso de um adoecimento, o papel do grupo também exerce um papel fundamental. Saber-se cuidado, enxergado, bem tratado, também é um estímulo para que não se desista (até que seja realmente necessário ou inevitável).
Não sei como esse texto terminaria caso o Sebastião não tivesse sido encontrado. Talvez eu diria algo como exaltar a importância da busca e, obviamente, torcer pelo melhor. Mas aí o melhor aconteceu. E agora? Para onde vai essa força motriz e afetiva que mobilizou tanta gente? Para quais causas estamos voltando nossas atenções e nossas energias?
Bem-vindo de volta à casa, Sebastião. E que iniciemos essa semana mais curta com uma busca que nos emocione, nos empurre, sem inocência nem ingenuidade, mas talvez com desejo, amor e sonho.
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Foto da Capa: Sebastião e sua tutora / Reprodução de Redes Sociais